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quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A internet e os novos hábitos

Por Vilmar Sidnei Demamam Berna*


Até bem pouco tempo atrás, coisa de dez ou vinte anos, quando a internet não era tão popular, se recebêssemos uma carta pelos Correios, nos sentíamos na obrigação, por pura cortesia e boa educação, de dar uma resposta, principalmente se viesse de alguém conhecido. Hoje, com a internet, recebemos dezenas, centenas, de mensagens por e-mail, de conhecidos e desconhecidos, num volume sobre humano, muito além de nossa capacidade de conseguir ler, entender, e muito menos responder. E se antes uma carta tinha endereço certo, hoje, as mensagens espalham-se em ondas, em cópias às claras ou ocultas, onde a palavra privacidade parece ter perdido o significado. O mundo inteiro parece ter se tornado um grande BBB, uma espécie de ' reality show', onde a intimidade fica exposta para quem quiser dar uma 'espiadinha'.

Não resta a menor dúvida que a internet entrou definitivamente em nossas vidas e não há mais como mudar isso, até por que não queremos menos, queremos é mais. Em alguns casos, a internet mudou nossas vidas para melhor. Por exemplo, não dependemos mais de algum editor para intermediar nosso acesso aos leitores. Agora, qualquer um pode escrever qualquer coisa e postar na internet. Somos humanos, e tudo o que é humano nos interessa e nos diz respeito. Assim, são grandes as chances de ser lido quase que instantaneamente, pois sempre haverá alguém conectado no mesmo assunto ou interesse. Isso abriu uma enorme possibilidade de democratização da informação e do pensamento, rompendo barreiras e dando a exata dimensão da Aldeia Global que nos tornamos. Claro, também aumentou a quantidade de bobagens que se lê na internet.

Se antes a idéia de Globalização era apenas uma realidade comercial, depois da internet virou uma realidade para todo mundo. Talvez a internet venha a possibilitar a que a espécie humana descubra e venha a exercer na natureza o papel de consciência de Gaia. Claro, se nossa estupidez não nos levar à extinção antes.

Talvez a existência da internet venha facilitar as articulações globais que levarão a humanidade a enxergar além do próprio umbigo e olhar o mundo como uma ilha no Universo, onde todos têm o mesmo destino comum e não temos para onde ir. Sem planeta, não haverá vida possível para nenhum de nós. Com a internet, pode surgir uma chance para a humanidade que esteja além dos nossos governos, atados em seus compromissos, acordos, segredos, burocracia, onde a regra é cuidar apenas dos próprios quintais, enquanto demonstram sua incapacidade de apreender e cuidar do todo. A internet pode vir a possibilitar o fortalecimento de uma nova cidadania ambiental planetária.

Outra vantagem da internet é que se antes os poderosos podiam controlar e censurar a informação, agora ficou quase que impossível. Alguns governos até tentam bloquear certos termos e palavras nos servidores, ameaçam os que ousam democratizar informações que não querem que cheguem ao público, mas a cada bloqueio, os internautas descobrem um atalho novo. Mais cedo ou mais tarde, as autoridades compreenderão que o mundo mudou, e que hoje, com a internet, a era de censura e segredos terá de ficar para trás.

E se antes, tínhamos de selecionar os assuntos de nosso interesse no meio de um monte de informação que não nos interessava, com a internet e seus mecanismos de busca e de alerta, podemos escolher com precisão os assuntos de nosso interesse e os próprios servidores se encarregam de encontrar a informação que queremos e enviar gratuitamente para nossa caixa postal. Se antes tínhamos de nos limitar às informações disponíveis na língua que entendíamos, agora, com os sistemas automáticos de tradução, passamos a ter acesso a informações antes inimagináveis.

Entretanto, nem tudo são flores. A internet é uma ferramenta, e como toda ferramenta pode ser usada para construir ou destruir, para o bem ou para o mal. Por exemplo, hoje, conseguimos ficar mais conectados e também mais distantes uns dos outros. Temos ´milhões´ de amigos virtuais e pouco tempo para cultivar amigos no mundo físico, olho no olho, um abraço, um aperto de mão. Sabemos facilmente o acontece do outro lado do mundo, mas não conseguimos saber do que acontece em nosso bairro ou na vizinhança onde moramos.

Antes, para estar razoavelmente informado sobre o dia a dia bastava dar uma olhadinha nas manchetes dos jornais na banca da esquina e, diante de um assunto mais interessante, bastava ler um jornal, no máximo dois. Hoje, as informações e notícias invadem diariamente nossas caixas de e-mail, e ainda que sejam filtradas por temas de nosso interesse, ainda assim são num volume muito maior que nossa capacidade de conseguir ler e absorver tudo de importante e de urgente. Os fatos já vêm acompanhados de suas versões e contraversões, o que é ótimo, um avanço fantástico, mas que requer leitura atenta, em vez de apenas uma olhadinha. A internet expõe de forma concreta o que já sabíamos em teoria. Tudo é relativo, não existem verdades absolutas, tudo depende do olhar de cada observador.

Antes, uma mensagem que nos chegasse com um pedido de urgência era urgente, e pronto, não admitia questionamento. Hoje, urgente são apenas as nossas urgências e não mais a dos outros. Antes, quando recebíamos informações sobre confirmação de pagamento ou depósito em nossa conta, tratávamos logo de tomar ciência e até gastávamos por conta. Hoje, com certeza ou é vírus ou é golpe. Antes, tínhamos como nos livrar fácil de pessoas indesejáveis, dos chatos e ansiosos, hoje, elas encontram sempre um jeitinho de se fazerem presentes em nossas vidas. Antes, tínhamos nossas próprias angústias e prioridades de luta por um mundo melhor, hoje, temos de lidar também com as angústias alheias e com as dezenas de boas causas e boas lutas de todo mundo que não conseguimos dar conta ainda que nos desdobrássemos em mil. Antes, recebíamos notícias de parentes distantes e revíamos nossos amigos uma vez ou outra, hoje eles compartilham conosco de nosso dia a dia virtual.

Com a internet, precisamos repensar uma nova ética para nossos relacionamentos, não só com o outro, mas com nossa noção de urgência, de importância. A internet é apenas uma ferramenta, poderosa e ainda quase desconhecida em suas potencialidades, e que tanto pode servir para nos ajudar quanto para nos atrapalhar. Precisamos escolher o que vai ser.

* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas – http://www.escritorvilmarberna.com.br/

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