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domingo, 24 de abril de 2011

A VIA SACRA II

O Nordeste está se consagrando como ponto turístico, durante o período da Páscoa, pelas encenações dos últimos momentos da passagem de Cristo pelo Planeta Terra. O ponto alto dessas mega produções teatrais está em Nova Jerusalém, Pernambuco. Aqui no Ceará, temos como ponto alto dessa celebração, as apresentações em Pacatuba e, agora, Paracuru. Em Fortaleza, além das encenações na Casa da Comédia, na Praça Verde do Centro Cultural Dragão do Mar e outras salas de Teatro, destaco a realizada este ano, pela Paróquia de Fátima, ao redor da Praça Pio IX, em frenta à Igreja, na Avenida 13 de Maio.

A encenação teve como base a Via Sacra apresentada no folheto da Campanha da Fraternidade 2011, distribuído pela CNBB-CE, Regional NE 1. Dando continuidade ao relato da atividade, sigo o acontecido a partir da sétima estação.

Esgotado, apesar da ajuda do Cirineu e de ter tido seu rosto enxugado por Verônica, Jesus cai por terra pela segunda vez. "Também nas cidades e nos campos os problemas ambientais se avolumam e os erros se repetem com a deslumbrante e frágil beleza da vida, sendo destruída em nome do crescimento econômico: prédios altíssimos à beira mar impedem a criculação do vento, a construção de enormes condomínios, destruindo as plantas nativas, a criação de caranguejos em cativeiro com a eliminação das regiões de mangues, a monocultura e o uso indevido de agrotóxicos."

Jesus, apesar do sofrimento, tem ainda força e alento para consolar as melheres que choram pelo caminho. E nós? "O que diremos a nossos filhos e netos quando nos cobrarem a continuidade da vida e a beleza da criação? Que planeta ficará para as futuras gerações? Que marcas das nossas ações e atitudes deixaremos impressas na história desse planeta?" Pense e repense suas atitudes, ainda há tempo de redimensionar a sua pegada ecológica.

Nova queda de Jesus. É o limite das forças humanas. "A terra também está esgotada. Mesmo agredida, busca renovar-se. Nesse tempo de impasse, de aquecimento global, a temperatura futura do planeta vai depender de nosso modo de produzir, de consumir, enfim, do modo como nos relacionamos com a terra." Urge uma total mudança de paradigma de quem produz e de quem consome para se alcançar a paz e a preservação da natureza.

Nós somos corresponsáveis por tudo que herdamos. Precisamos nos desvestirmos das tentações da glória e do poder, do orgulho e do preconceito para melhor defender a natureza e bem fazer o usufruto dos dons da criação, com amor e responsabilidade.

Ao maltratar o planeta, damos mau exemplo para as nossas gerações e exercemos o papel de torturadores, tal qual aqueles que pregaram Jesus na cruz. "É urgente fortalecer a ação educativa e evangelizadora, objetivando a construção de uma sociedade que cultive uma cultura de paz, de justiça, de consciência ambiental, frente à gravidade e à urgência dos problemas provocados pelo aquecimento global. O peso da cruz de Jesus está nas mãos marcadas dos que vagam sem destino e sem moradia nas grandes cidades, desterrados do seu chão e do seu lugar."

A morte representa apenas uma passagem para a verdadeira vida. Hoje, "a sociedade perdeu orespeito à vida e fere de morte o meio ambiente." É preciso compreender que por aqui estamos apenas para cumprir uma missão.

"Uma das principais estratégias de dominação de nossa sociedade é fazer com que não olhemos para nós mesmos com realismo. O poder dominante na sociedade sempre faz com que pensemos que nossos desejos e necessidades sejam aqueles proclamados pelos meios de comunicação e repetidos pela maioria. Precisamos enfrentar com coragem e determinação o que está de verdade acontecendo no planeta terra. A sociedade tecnológica oferece-nos uma falsa segurança, que poderá conduzir-nos rapidamente ao caos", admoesta o texto da décima terceira estação, quando Jesus é retirado da cruz.

Toda a criação espera ser libertada dos males da corrupção. Não apenas daquela praticada pelos políticos e pelas grandes corporações, mas também dos pequenos malefícios que fazemos no dia a dia, ao jogar um papel no chão, furar uma fila ou deixar de praticar uma boa ação.

Ter disponibilidade de servir a quem de nós necessita e zelar pela obra da criação, ajudando, assim, a preservar o planeta para o usufruto também das futuras gerações é cumprir ao extremo a nossa obrigação.

(Apoiado na Via Sacra da Campanha da Fraternidade 2011, Regional NE 1, CNBB)

A VIA SACRA I

Qual é a relação dos passos seguidos por Jesus Cristo em seus últimos momentos de sua passagem pela sua vida no Planeta Terra? A Campanha da Fraternidade de 2011 faz uma comparação entre as dores sofridas por Jesus no Calvário com as dores da Natureza, que, de certa forma, segundo ela, geme em dor profunda, ferida pelas atitudes nossas contribuindo como o nosso consumismo com a poluição e degradação.

A Paróquia de Fátima, na 13 de Maio, em Fortaleza, Ceará, realizou na manhã da sexta-feira da Paixão, uma interessante via sacra, na qual chamou a nossa atenção para os cuidados que devemos ter conosco e com o meio ambiente, do qual também fazemos parte todos nós. Durante o trajeto, encenado, estação por estação, alguns voluntários foram recolhendo o lixo espalhado pelo caminho ao redor da praça em frente à Igreja.

Na primeira estação há um paralelo entre a condenação de Jesus à morte e a mesma sentença a que estão submetidas as espécies animais e botânicas em extinção, pela ganância e a sede de poder e de ter da raça humana. "As florestas estão ameaçadas e com elas muitas espécies e muitas formas de vida", diz um trecho.

Comparado ao peso da cruz carregada por Jesus, no trajeto para o Calvário, o Planeta vê ferida a obra da criação. "A temperatura aumenta, a poluição cresce, o clima não tem estabilidade e se multiplicam as enchentes, as secas, as tempestades, as ameaças de desertificação, o degelo e o consequente aumento do nível das águas nos oceanos", reza a segunda estação.

A queda de jesus pelo caminho, sob o peso da cruz, equivale ao momento em que percebemos que o meio ambiente está por terra, devido ao enfraquecimento causado pelas feridas causadas pelo atual sistema de produção e de consumo, que exaure as reservas naturais do Planeta. Somente as "atitudes solidárias de quem valoriza a obra da criação e está disposto a abrir mão do consumismo, poderá evitar o desperdício e proporcionar o desenvolvimento sustentável", está descrito na terceira estação.

Que mãe não sofre ao ver o flagelo de seu filho ou de sua filha? Maria percebeu com grande dor e resignação toda a intensidade desse sofrimento. Assim é o "sofrimento da mãe natureza ao ver as suas criaturas (todas, humanas ou não), frutos do poder criador de Deus, sendo feridas da morte, sem ter para quem apelar", é o pedido desta quarta estação para que as autoridades adotem políticas públicas preventivas e de superação de situações que colocam a natureza em risco.

A quinta estação faz um chamamento para a participação solidária de todos para minizar os efeitos nocivos da nossa passagem pelo Planeta Terra. "Todos precisamos nos sentir corresponsáveis. Devemos começar na nossa própria casa, vivendo com simplicidade, revendo bens e recursos, tendo por base as necessidades reais, apoiando especialmente os mais fracos e empobrecidos".

Tal qual Verônica enxugou o rosto de Jesus, também nós devemos "saber ajudar e cuidar da terra desfigurada pela poluição, pelas queimadas, pelo lixo espalhado por toda a parte, pela ganância e ambição que envenena as águas, resseca e desertifica o planeta, impõe grande sofgrimento aos mais pobres."

A partir dessa estação fui atrás de um saco de 50 litros e enchi-o de lixo espalhado pela praça até chegar ao final da via sacra. É triste constatar quão pequeno é o respeito ao meio ambiente e a nós mesmos.

(Baseado no livro da Campanha da Fraternidade 2011 - Regional NE1 CNBB-CE).

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Nós e o Planeta Terra

Por Vilmar S. D. Berna
 
O que nos diferencia dos outros seres da natureza não é a inteligência ou a capacidade de ter emoções, de sentir prazer, dor, medo, de nos comunicar ou criar ferramentas, pois isso várias espécies também fazem em diferentes graus de eficiência. O que nos torna únicos é a consciência de nossa individualidade e, entre as conseqüências disso, está o sentimento de separação do mundo, dos outros, da natureza, pois se somos nós não podemos ser o outro.
 
Ter consciência nos fez também ter subjetividade, um mundo interior, onde construímos e reconstruímos nossa visão de mundo, do outro, de nós próprios. Assim, embora a realidade seja igual para todos, a maneira de perceber, de encarar e interpretar a realidade muda de pessoa para pessoa.
 
Isso nos obrigou a estabelecer parâmetros do que é aceitável ou não pela sociedade, pois apesar de separados dos outros e das coisas, enquanto seres sociais estamos ligados uns aos outros e tão dependentes quanto todos da natureza. E natureza, aqui, não significa uma visão idealizada de um ser com propósito e intencionalidade, mas o resultado de milhares de anos de evolução sob determinadas condições de clima e calor, distanciamento do sol, inclinação do eixo da Terra, etc. Revela-se então uma outra característica humana que é a tendência de encontrar significado para as questões que não consegue compreender, como se fôssemos incapazes de viver num mundo que não faca sentido. Os gregos antigos, por exemplo, deram à natureza o status de deusa, à qual atribuíram o nome Gaia.
 
A consciência também nos tornou livres para escolher o que achamos ser melhor para nós, para o mundo, e o livre arbítrio trouxe consigo culpas e responsabilidades, angústias existenciais sobre qual o melhor caminho a tomar. Ao nos vermos livres da natureza, não mais tendo de obedecer aos instintos e compreendendo cientificamente os seus fenômenos, criamos a ilusão de sermos superiores às demais espécies e à própria natureza. Na tarefa de nos tornar humanos, tivemos e ainda temos de enfrentar a natureza, que age e influencia em nossas escolhas através dos instintos - tão ativos em nós quanto em todas as demais espécies, determinando quando temos de lutar ou fugir, comer e parar de comer, por exemplo, e ainda assim, podemos escolher nos manter em situação de estresse sem tentar fugir e comer sem fome. Este enfrentamento resultou no afastamento maior ainda da natureza. Seguir aos instintos passou a ser um atributo dos animais, algo pouco refinado, embrutecido, motivo de vergonha para os humanos.
 
Criamos a ilusão de sermos os donos da natureza e dividimos o planeta em territórios, e loteamos cada espaço útil, explorando sem culpas, a ponto de já termos passado do ponto de regeneração natural de diversos ecossistemas. As demais espécies foram destituídas de seus direitos, condicionadas à sua utilidade para nós. Se não for útil, então não tem razão de existir.
 
Em nossa idealização do mundo, nos demos o papel transcendental atribuído aos deuses, pois se somos superiores à natureza, tínhamos de encontrar um significado para nós fora da natureza.
 
Quando confrontados com as evidências de nossos atos, alguns de nós preferem buscar desculpas para continuar agindo da mesma forma. Para alguns, a idéia de que a natureza possa sofrer um colapso parece um exagero, pois nada do que façamos irá destruir a natureza, embora possamos nos destruir facilmente. Para outros, a Ciência irá nos salvar descobrindo coisas, inventando novas tecnologias que serão capazes de reciclar nossos restos e descobrir novas fontes de recursos. Outros acham inútil lutar, pois o fim está próximo, conforme revelado em algum texto sagrado e, naturalmente, apenas os que acreditarem nisso serão salvos.
 
Nossa separação da natureza não aconteceu apenas do ponto de vista psicológico, ético, moral ou espiritual, mas também do ponto de vista físico. Reconstruímos o meio ambiente para adaptá-lo às nossas necessidades onde antes existiam ecossistemas. Construímos cidades às vezes confortáveis, bonitas, às vezes não, de concreto, aço e asfalto e com muita rapidez esquecemos que apesar de muito importantes não são as cidades que produzem a água, o oxigênio, a biodiversidade da qual dependemos para produzir alimentos, medicamentos e obter recursos.
 
O meio ambiente deixou de ser tudo o que existe, para ser o que existe em torno de nos, como se fosse uma espécie de armazém de recursos inesgotáveis para atender às nossas necessidades. Necessidades que deixaram de ser apenas físicas, como comer, morar, vestir, mas também espirituais, como a de demonstrar afeto através da troca de presentes materiais, de obter reconhecimento social e se sentir pertencendo a uma sociedade através da exibição de objetos de consumo. O resultado foi uma sociedade que não só superexplora a natureza, mas que também superexplora seus próprios semelhantes, pois para que uns possam acumular demais outros precisam acumular de menos.
 
E por que tudo isso? Enquanto as demais espécies submetem-se aos seus destinos, nos angustiamos na busca de respostas, e quando estas não existem, criamos nós próprios utopias e visões de mundo que dê sentido a este mundo reinventado. Qual é o propósito de nossa espécie? Para que estamos aqui? De onde viemos? Para onde vamos? Por que sofremos com terremotos, vulcões, tsunamis, secas, enchentes, furacões, fome, AIDS, epidemias, etc.? Cometemos algum pecado pelo qual estamos sendo punidos agora? Teremos tempo de evitar um colapso ambiental global? Continuaremos existindo enquanto espécie ou já estamos em declínio rumo à extinção? Alguns se satisfazem com a idéia de deuses e diabos voluntariosos nos manipulando, outros se amparam na idéia de que somos filhos e filhas de seres de outros planetas que nos visitaram no passado e que alguns acreditam que ainda estão entre nós. Outros acreditam que surgimos do caos e do acaso, não importa, ninguém saberá a verdade final mesmo e, neste particular, qualquer idéia serve, desde que tenha significado e nos permita viver em paz conosco mesmo e com os outros, que nos anime a querer serem pessoas melhores e lutar para termos um mundo melhor.
 
O fato concreto é que nenhum de nós escapará vivo do Planeta que, ao contrário de nos pertencer, nós é que pertencemos a ele e o compartilhamos com todas as outras espécies. Ou nos reinventamos, imaginando outro jeito de estar no Planeta, ou corremos risco de desaparecer antes do tempo. Uma coisa é certa, o Planeta começou sem nós, e acabará sem nós. A questão que importa não é quando acontecerá o fim, mas o que posso fazer, aqui e agora, enquanto tenho vida e saúde para abreviar este fim e aproveitar este presente que todos os dias o Planeta nos proporciona, o de viver. E a vida é bem curta.
 
* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio
Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br  ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas - www.escritorvilmarberna.com.br