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sexta-feira, 29 de julho de 2011

O maestro, o amor e a doação

Aprendi, outro dia que perdoar é a junção de “per” com “doar”. Doar é mais do que dar. Doar é a entrega total do outro.
O prefixo “per”, que tem várias acepções, indica movimento no sentido de ou em direção a, ou através, ou para; etimologicamente falando, portanto, perdoar quer dizer doar ao outro a possibilidade de que ele possa amar, possa doar-se. Não apenas quem perdoa que se doa através do outro.
Perdoar implica abrir possibilidades de amor para quem foi perdoado, através da doação oferecida por quem foi agravado.
Perdoar é a única forma de facilitar ao outro a própria salvação. Doar é mais do que dar: é a entrega total...
Perdoar é doar o amor, é permitir que a pessoa objeto do perdão possa também devolver um amor que, até então, só negara ...
Foi com esta citação do imortal Arthur da Távola, que teve início, na noite de ontem, a esplendorosa apresentação do maestro João Carlos Martins e a Orquestra Bachianas Filarmônica, no Teatro José de Alencar, em Fortaleza. A citação logo me evocou a lembrança do Frei Hermínio Bezerra e seu incansável estudo sobre a formação, deformação e origem das palavras em sua coluna semanal, às segundas-feiras no Diário do Nordeste.
A agradável companhia da prima Ionele Puster, logo acrescida pela encantadora presença, em nosso camarote, da "rainha" Juliana, que tornou a noite mais deleitável e a espera muito mais prazerosa. Só faltou a Miren para a noite ser mais completa.
Nascido em 1940, João Carlos Martins, o maior intérprete das obras de Bach, atualmente, é um exemplo de superação e resistência para todos nós, por ter vencido múltiplos acidentes e obstáculos para dedicar-se à música até os dias de hoje.
O espetáculo, beneficente, objetivou oferecer esperanças e novas perspectivas de tratamento aos pacientes com doença renal crônica da Fundação do Rim, no Meireles, em Fortaleza.
O repertório incluiu Mozart, Bethoven, Brahms, Villa Lobos e Astor Piazzolla. A Orquestra, literalmente, abriu espaços para apresentações ao piano do maestro, apesar dos limitados movimentos de uma das mãos.
Ao palco, João Carlos Martins trouxe membros da Escola de Samba Vai Vai, de São Paulo, cujo samba enredo de 2011 homenageou o maestro. O simpático "bocão" e seu choro da cuíca foi um show à parte. Os ritmistas da Escola de Samba fizeram a alegria do público com o acompanhamento de obras de Bach, Brahms e o primeiro movimento da Quinta Sinfonia de Bethoven.
Ênio Morricone ficou reservado para a surpresa final. E até o sucesso popular Trem das Onze, de Adoniram Barbosa, imortalizado pelo Grupo Demônios da Garoa, foi tocado pela fantástica Orquestra Bachianas Filarmônica, regida pelo maestro e cantada pelos mais de 700 presentes.
Um espetáculo imperdível e inesquecível e que valeu pelo que se viu, se ouviu e se viveu e também pelo fato de se poder dizer: "Eu fui, eu ajudei", Fundação do Rim, Semeando o Futuro (85) 3261.6122.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

E o meio ambiente atravessou o samba do progresso a qualquer preço

Por Vilmar Sidnei Demamam Berna*


No meio ambiente existe o bloco dos ´amigos da natureza' que às vezes não mede os riscos ao atravessar o samba do bloco dos 'amigos do progresso a qualquer preço'. Alguns chegam a ser eliminados do espetáculo. Entre os problemas dos ´amigos da natureza´ está a dificuldade em cantar o mesmo samba juntos. Os 'amigos do progresso a qualquer preço´ adoram isso, por que ganham com a confusão. Entre os ´amigos da natureza´ tem alguns que também adoram uma confusão, por que o negócio é aparecer e assim aumentar as chances de ganhar alguns minutos de fama, ou mesmo uma boquinha, um carguinho ou verbinhas para seus projetos. Às vezes criam dificuldades para negociar facilidades e exageram nas gorduras dos gestos, dos gritos e das reivindicações para na hora do reparte não ter de cortar nas carnes. Tem outros que acreditam tanto no consenso que acabam flertando com o 'inimigo'. Quando descobrem que foram enganados - geralmente tarde demais para o meio ambiente - , migram para o bloco dos 'ressentidos', ou do ´Vai dar merda`, ou do ´Eu avisei ´.

A platéia costuma assistir ao espetáculo entre uma mastigada e outra no jantar, entre uma ou outra noticia de bala perdida, seqüestro relâmpago, nada que tire o sono, pois logo a seguir vem a novela, depois o futebol ou o BBB. Quando a turma dos 'inimigos do meio ambiente' atravessam o samba logo entra em cena o bloco do "Deixa Comigo que já estou cuidando de tudo", e tem a turma da 'Diretoria' que aposta no quanto pior para o meio ambiente melhor, por que significa que mais um TAC vai ser negociado entre um vôo de jatinho e outro, e sempre sobra uma vantagenzinha para engordar o caixa ou o prestigio eleitoral.

Audiência publica nem precisa, pois só serve para que os que vão sofrer as conseqüências saibam o tamanho do desastre ambiental que irá se abater sobre eles. Afinal, não é uma perereca ou um bagre ridículo, ou algum índio emplumado ou meia dúzia de plantadores de alface que irão atrapalhar o espetáculo do progresso a qualquer preço pelo bem do Brasil e dos brasileiros! Claro, sempre dá para descolar uma almofada como medida mitigadora para aliviar a dor das tragédias.

Azar é quando uma das alegorias do bloco do ´progresso a qualquer preço´ quebra no meio da avenida. É um corre corre para abafar a situação e não deixar que o incidente atrapalhe o espetáculo do crescimento. Nessa hora, entra na avenida a tropa de choque dos foliões dos blocos dos 'Nada a Declarar', 'Fica tranqüilo que o problema já foi resolvido', 'Já abri um inquérito para apurar as responsabilidades', 'Já multamos em milhões e estamos negociando um TAC'. Tudo perfeitinho como manda o figurino. E aí é só apostar para que o problema suma logo das vistas do público por que aí a mídia vai se desinteressar rapidamente e assim, tudo volta ao normal, e o samba pode retomar o ritmo do 'vamos em frente enquanto tem meio ambiente'.

Os únicos chatos que não esquecem são alguns ´amigos da natureeza´ biodesagradáveis, mais conhecidos por ecochatos, que deveriam ser coerentes e voltar a andar nus, morar em cavernas e usar a luz das fogueiras. Mas não, essa gentinha gosta mesmo é de reclamar e atrapalhar, e é ajudada por um tipo de imprensa que só gosta de noticia ruim! Parece quem tem uma especial predileção para o que não dá certo. Não adianta imprimir relatórios de sustentabilidade em papel reciclado, neutralizar as emissões de carbono plantando árvores, nada parece deixar esse pessoalzInho satisfeito.
Ainda bem que existe o bloco dos 'contentes' para animar o Carnaval do ´progresso a qualquer preço´. Não importa quanto aumente o desmatamento ou o aquecimento global, derrame óleo nos mares, ou vaze radiação nuclear, vai ficar tudo numa boa. O 'bloco dos contentes' tem fé na ciência e na tecnologia salvadoras e que logo logo darão um jeito em tudo, e ainda farão poluição e destruição ambiental dar lucros com máquinas maravilhosas transformando lixo e esgoto em energia e devolvendo recursos naturais ao Planeta! Quem tiver um lixão que o guarde bem, pois valerá seu peso em ouro! Água poluída, então, nem se fala! Com o reúso vai até sobrar dinheiro no caixa das empresas que não precisarão mais comprar água para resfriar processos! Os engarrafamentos se transformarão numa das novas maravilhas desse novo mundo, com carros emitindo apenas vapor d'água, verdadeiras ilhas de conforto com ar-condicionado movidos a energia solar e equipamentos de som e vídeo de dar inveja a qualquer discoteca das mais avançadas.
* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas – www.escritorvilmarberna.com.br

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Contradizes

A música ao violão era agradável aos ouvidos de quem chegava ao Teatro José de Alencar, na tarde desta quarta-feira, 20, para a estreia da peça Contradizes, apresentada pelo Curso de Princípios Básicos de Teatro, 2011, manhã. As pessoas recebiam as senhas no balcão e eram instadas a aguardar no pátio. 15 horas soa a campainha. Forma-se rapidamente a fila. Suspense. Aviso: “atenção, devido a um problema técnico com a iluminação, teremos um atraso de 30 minutos”. Dispersão. Os atrasados acabaram beneficiados.


15h30min. Novo sinal da campainha. A fila, já formada, aguarda mais 15 minutos para poder entrar. Palco principal. Já com os atores no cenário. Luzes apagadas. Tropeços. Busca de arquibancadas. Celulares que tocam. Pessoas que conversam.

15h45min. Começa o espetáculo. Dois grupos de atores podiam ser vistos. Uns em pé. Outros abraçados e tão bem enroscados que pareciam apenas três, ou, no máximo, quatro. Ao se desenroscarem e ficarem de pé eram sete. Ao centro, duas cadeiras, uma de frente, com um nariz de palhaço, outra de lado. Entra o primeiro personagem pelo lado, dá dez passos, dança, faz gestos, senta na cadeira que está vazia, pega o nariz de palhaço. Cada vez que o coloca sobre o nariz, toca uma música, ele se alegra; tira o nariz, a música se acaba ele se entristece.

Os 17 atores estão todos com um figurino cinza, tipo macacão, com as 20 unhas pintadas em um tom pouco mais escuro que a roupa. Atuavam em grupos distintos. Às vezes em dupla. Ora dançavam. Ora grunhiam. Os grupos, tal qual um exercício que fiz esta semana na Oficina de Dança com Andréia Pires e Daniel Pizamiglio, executavam tarefas distintas em seu espaço do palco.

Juntos cantaram: “Beijei a boca da noite e engoli milhões de estrelas, fiquei iluminado e me acordei mil anos depois por trás do Universo”. Neste momento lembrei-me de Raul Seixas. Mas, na verdade, o texto é extraído do poema Ação Gigantesca, de Mário Gomes.

Contradizes fala de mundos paralelos, fantásticos que, como diz o nome, se contrapõem. Fala também de sonhos, devaneios, ilusões. Nada é somente bom ou inteiramente mau. É tão feio ou intensamente belo. É puramente forte ou simplesmente fraco. Tudo se reflete na emoção filosófica e psicológica do ser humano. Mostra como cada indivíduo encara a vida e o significado. O nariz de palhaço significa a alegria e a retração de cada um de nós e mostra a dualidade humana.

Em cartaz de 20 de julho até domingo, 24, às 15h e 18h no Teatro José de Alencar, Centro de Fortaleza. Vale conferir.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Falando francamente sobre consumo e consumismo

- por Vilmar Berna*
Somos, por natureza, seres consumidores e estamos no topo da cadeia alimentar. Logo, consumir é nosso destino natural, o problema são os excessos. Excesso de gente, que já está demais e que continua se multiplicando globalmente, embora se reduza em diversos países e regiões. Cada boca que nasce demanda por mais recursos naturais, que não são infinitos. Mas existe um excesso ainda pior, o da desigualdade social, que permite que uns poucos possam se apropriar de mais recursos que a maioria, ou seja, não adiantará muito diminuir o excesso de gente sem também diminuir a ganância.
O mundo atual se construiu em torno da falsa idéia de que o mercado será capaz de suprir as necessidades humanas, a ponto de aceitarmos a organização da sociedade em classes sociais em função do poder de consumo. Quem pode consumir muito pertence às classes altas, os remediados, à classe media, e os pobres, às classes baixas. A reboque do conceito do poder aquisitivo surge quase que naturalmente a falsa noção de que os que tem muito são mais importantes e com mais direitos do que os que não tem, e isso é absolutamente falso, pois somos todos iguais em dignidade e direitos. O mercado só consegue ser solução para os que têm dinheiro. Para os demais, é preciso políticas públicas.
O problema não está só no colapso ambiental, mas no colapso ético e moral que nos põe em risco enquanto humanidade e civilização muito antes de desaparecermos enquanto espécie. Se as pessoas aceitarem a idéia de uma sociedade que valoriza o dinheiro acima dos valores humanos, acumular riquezas pode se tornar um fim em si mesmo em vez de meio de vida, aliás, a própria idéia de vida pode se empobrecer a ponto de se resumir a produzir numa ponta e consumir na outra. Bem longe da idéia de viver em abundância e plenamente. Em vez de nos tornarmos mais solidários e cultivarmos bons valores e a cidadania, acabaremos valorizando muito mais o individualismo, o materialismo, a competição desmedida, a insensibilidade com os menos favorecidos.

E tudo isso baseado numa mentira, a de que se todos alcançarem os mesmos padrões de consumo dos mais ricos, será possível haver recursos naturais para todos. Fazer com que todos acreditem nesta mentira é conveniente para os que dominam e controlam os recursos e as riquezas, pois em vez de pedir por mudanças, as pessoas irão querer que tudo continue como está na esperança de que um dia chegará a sua vez e que só não chegou ainda por que não foram capazes ou merecedores o suficiente. Não é de se admirar que seja tão difícil ser sustentável e compatibilizar progresso e meio ambiente.
Mas não é impossível. Não só outro mundo é possível como já vemos por todos os lados os sinais dessa mudança. Por mais que alguns gostem de se iludir com falsas promessas de consumo, elas percebem os sinais de esgotamento do Planeta. Um novo mundo já esta nascendo do velho mundo, e o que assistimos são as dores do parto.

Precisamos é de coragem para persistir nos caminhos da mudança e valorizar escolhas diferentes das que trouxeram a humanidade à beira do colapso.

Não temos que comprar tudo o que vemos nas prateleiras. Não temos de acreditar em tudo o que se diz nas propagandas e devemos duvidar das informações tendenciosas, mentirosas e manipuladores. Não temos que seguir a moda e descartar um produto que ainda serve. Não precisamos de nenhum bem de consumo para amar e ser amados, ou para sermos felizes, ou para nos sentirmos importantes e reconhecidos socialmente.
Da mesma maneira que temos a liberdade de consumir o que nosso dinheiro ou crédito a perder de vista nos permite, também temos a liberdade de recusar o consumo desperdiçador de recursos. Podemos escolher consumir criteriosamente, apenas para atender a necessidades objetivas e realmente necessárias, preferir produtos socioambientalmente responsáveis, recicláveis, que fortaleçam as cadeias produtivas locais e a criatividade de nossos trabalhadores e artesãos. Podemos consumir de maneira planejada em vez de agir por impulso. Temos o poder de dizer sim e também de dizer não. Somos nós o poder do mercado.

Não foi o consumismo que nos fez assim. Ele apenas aproveitou a oportunidade por sermos assim e encheu as lojas e prateleiras e nossos sonhos e desejos de bugigangas e objetos que no final podem nem ser tão importantes para vivermos uma vida plena e feliz.

Os inimigos não estão fora de nós. Para resolvermos a crise socioambiental em que nos metemos, teremos de ter a coragem de admitir que somos uma parte importante do problema - e também da solução.

* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas - http://www.escritorvilmarberna.com.br/