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sexta-feira, 20 de maio de 2011

Nem tanto a Chico nem a Francisco - por um código florestal possível

Por Vilmar Berna


Na negociação dos conflitos envolvendo a reforma do Código Florestal está faltando política, no sentido mais nobre do termo, e sinceridade. Que o Código precisa ser reformado, qualquer ambientalista ou ruralista sério, que conheça minimamente o assunto, sabe que sim.

Estamos num país democrático, onde nem a vontade de um lado nem a do outro irão prosperar só por que se tem a maioria ou por que gritam mais alto. Assim, é absolutamente legitimo que os lados interessados queiram puxar a brasa para suas sardinhas. Por outro lado, a sociedade tem o direito de ser radical, fundamentalista, exigir seus direitos, tanto para o lado da produção e do mercado quanto para o lado do meio ambiente e das políticas públicas e cidadania.

Dependendo da situação, dos interesses em jogo, é preciso negociar um consenso em torno do que é possível e suportável para a convivência entre os diferentes lados em disputa. E para isso existem os políticos. Caberia a eles atuarem como intermediadores nos conflitos, entretanto, geralmente estão comprometidos com um dos lados, descredenciando-se para o diálogo pela falta de isenção. E é o diálogo que permite o ajuste das percepções e a busca dos pontos convergentes e o esclarecimento sobre os divergentes, onde nem sempre o consenso é possível. Às vezes a tensão pode durar uma vida inteira, e ainda assim a vida continua.

Neste caso do Código Florestal, os políticos deveriam ter se disposto mais ao diálogo, até que se chegasse a um consenso em torno do possível, que possibilitasse ao país continuar produzindo, sem detonar com o meio ambiente e considerando as diferenças entre quem produz para alimentar automóveis e animais nos países ricos, de quem produz alimentos para o povo brasileiro. Às vezes, o entendimento pode se tornar muito difícil e até impossível se os votos dos eleitores, os privilégios e cargos, os interesses de negócio, ou partidários, dependerem da pessoa não ser convencida

O campo de batalha não é o plenário dos Parlamentos, mas é a opinião pública. É comum vermos parlamentares discursando para plenários vazios, apenas para serem publicados no Diário Oficial ou gravados pelas televisões legislativas. Entretanto, bem longe de serem neutras e imparciais como gostam de dizer, assim como os políticos escolhem o lado de seus eleitores e patrocinadores, a mídia escolhe o lado dos seus assinantes e anunciantes. A sinceridade, a verdade, às vezes, é o que menos importa quando há muito em jogo e o risco de perder for grande.

* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas - www.escritorvilmarberna.com.br

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Adolfo Pérez Esquivel escreve a Barack Obama

Estimado Barack, ao dirigir-te esta carta o faço fraternalmente para, ao mesmo tempo, expressar-te a preocupação e indignação de ver como a destruição e a morte semeada em vários países, em nome da “liberdade e da democracia”, duas palavras prostituídas e esvaziadas de conteúdo, termina justificando o assassinato e é festejada como se tratasse de um acontecimento desportivo.
Indignação pela atitude de setores da população dos Estados Unidos, de chefes de Estado europeus e de outros países que saíram a apoiar o assassinato de Bin Laden, ordenado por teu governo e tua complacência em nome de uma suposta justiça. Não procuraram detê-lo e julgá-lo pelos crimes supostamente cometidos, o que gera maior dúvida: o objetivo foi assassiná-lo.
Os mortos não falam e o medo do justiçado, que poderia dizer coisas inconvenientes para os EUA, resultou no assassinato e na tentativa de assegurar que “morto o cão, terminou a raiva”, sem levar em conta que não fazem outra coisa que incrementá-la.
Quando te outorgaram o Prêmio Nobel da Paz, do qual somos depositários, te enviei uma carta que dizia: “Barack, me surpreendeu muito que tenham te outorgado o Nobel da Paz, mas agora que o recebeu deve colocá-lo a serviço da paz entre os povos; tens toda a possibilidade de fazê-lo, de terminar as guerras e começar a reverter a situação que viveu teu país e o mundo”.
No entanto, ao invés disso, você incrementou o ódio e traiu os princípios assumidos na campanha eleitoral frente ao teu povo, como terminar com as guerras no Afeganistão e no Iraque e fechar as prisões em Guantánamo e Abu Graib no Iraque. Não fez nada disso. Pelo contrário, decidiu começar outra guerra contra a Líbia, apoiada pela OTAM e por uma vergonhosa resolução das Nações Unidas. Esse alto organismo, apequenado e sem pensamento próprio, perdeu o rumo e está submetido às veleidades e interesses das potências dominantes.
A base fundacional da ONU é a defesa e promoção da paz e da dignidade entre os povos. Seu preâmbulo diz: “Nós os povos do mundo...”, hoje ausentes deste alto organismo.
Quero recordar um místico e mestre que tem uma grande influência em minha vida, o monge trapense da Abadia de Getsemani, em Kentucky, Tomás Merton, que diz: “a maior necessidade de nosso tempo é limpar a enorme massa de lixo mental e emocional que entope nossas mentes e converte toda vida política e social em uma enfermidade de massas. Sem essa limpeza doméstica não podemos começar a ver. E se não vemos não podemos pensar”.
Você era muito jovem, Barack, durante a guerra do Vietnã e talvez não lembre a luta do povo norteamericano para opor-se à guerra. Os mortos, feridos e mutilados no Vietnã até o dia de hoje sofrem as consequências dessa guerra.
Tomás Merton dizia, frente a um carimbo do Correio que acabava de chegar, “The U.S. Army, key to Peace” (O Exército dos EUA, chave da paz): “Nenhum exército é chave da paz. Nenhuma nação tem a chave de nada que não seja a guerra. O poder não tem nada a ver com paz. Quanto mais os homens aumentam o poder militar, mais violam e destroem a paz”.Acompanhei e compartilhei com os veteranos da guerra do Vietnã, em particular Brian Wilson e seus companheiros que foram vítimas dessa guerra e de todas as guerras.
A vida tem esse não sei o quê do imprevisto e surpreendente fragrância e beleza que Deus nos deu para toda a humanidade e que devemos proteger para deixar às gerações futuras uma vida mais justa e fraterna, reestabelecendo o equilíbrio com a Mãe Terra.
Se não reagirmos para mudar a situação atual de soberba suicida que está arrastando os povos a abismos profundos onde morre a esperança, será difícil sair e ver a luz; a humanidade merece um destino melhor. Você sabe que a esperança é como o lótus que cresce no barro e floresce em todo seu esplendor mostrando sua beleza.
Leopoldo Marechal, esse grande escritor argentino, dizia que: “do labirinto, se sai por cima”.
E creio, Barack, que depois de seguir tua rota errando caminhos, te encontras em um labirinto sem poder encontrar a saída e te enterras cada vez mais na violência, na incerteza, devorado pelo poder da dominação, arrastado pelas grandes corporações, pelo complexo industrial militar, e acreditas ter todo o poder e que o mundo está aos pés dos EUA porque impõem a força das armas e invade países com total impunidade. É uma realidade dolorosa, mas também existe a resistência dos povos que não claudicam frente aos poderosos.
As atrocidades cometidas por teu país no mundo são tão grandes que dariam assunto para muita conversa. Isso é um desafio para os historiadores que deverão investigar e saber dos comportamentos, políticas, grandezas e mesquinharias que levaram os EUA á monocultura das mentes que não permite ver outras realidades.
A Bin Laden, suposto autor ideológico do ataque às torres gêmeas, o identificam como o Satã encarnado que aterrorizava o mundo e a propaganda do teu governo o apontava como “o eixo do mal”. Isso serviu de pretexto para declarar as guerras desejadas que o complexo industrial militar necessitava para vender seus produtos de morte.
Tu sabes que investigadores do trágico 11 de setembro assinalam que o atentado teve muito de “auto golpe”, como o avião contra o Pentágono e o esvaziamento prévios de escritórios das torres; atentado que deu motivo para desatar a guerra contra o Iraque e o Afeganistão, argumentando com a mentira e a soberba do poder que estão fazendo isso para salvar o povo, em nome da “liberdade e defesa da democracia”, com o cinismo de dizer que a morte de mulheres e crianças são “danos colaterais”. Vivi isso no Iraque, em Bagdá, com os bombardeios na cidade, no hospital pediátrico e no refúgio de crianças que foram vítimas desses “danos colaterais”.
A palavra é esvaziada de valores e conteúdo, razão pela qual chamas o assassinato de “morte” e que, por fim, os EUA “mataram” Bin Laden. Não trato de justificá-lo sob nenhum conceito, sou contra todas as formas de terrorismo, desde a praticada por esses grupos armados até o terrorismo de Estado que o teu país exerce em diversas partes do mundo apoiando ditadores, impondo bases militares e intervenção armada, exercendo a violência para manter-se pelo terror no eixo do poder mundial. Há um só eixo do mal? Como o chamarias?
Será que é por esse motivo que o povo dos EUA vive com tanto medo de represálias daqueles que chamam de “eixo do mal”? É simplismo e hipocrisia querer justificar o injustificável.
A Paz é uma dinâmica de vida nas relações entre as pessoas e os povos; é um desafio à consciência da humanidade, seu caminho é trabalhoso, cotidiano e portador de esperança, onde os povos são construtores de sua própria vida e de sua própria história. A Paz não é dada de presente, ela se constrói e isso é o que te falta meu caro, coragem para assumir a responsabilidade histórica com teu povo e a humanidade.
Não podes viver no labirinto do medo e da dominação daqueles que governam os EUA, desconhecendo os tratados internacionais, os pactos e protocolos, de governos que assinam, mas não ratificam nada e não cumprem nenhum dos acordos, mas pretendem falar em nome da liberdade e do direito. Como podes falar de Paz se não queres assumir nenhum compromisso, a não ser com os interesses de teu país?
Como podes falar da liberdade quando tem na prisão pessoas inocentes em Guantánamo, nos EUA e nas prisões do Iraque, como a de Abu Graib e do Afeganistão?
Como podes falar de direitos humanos e da dignidade dos povos quando violas ambos permanentemente e bloqueias quem não compartilha tua ideologia, obrigando-o a suportar teus abusos?
Como podes enviar forças militares ao Haiti, depois do terremoto devastador, e não ajuda humanitária a esse povo sofrido?
Como podes falar de liberdade quando massacras povos no Oriente Médio e propagas guerras e torturas, em conflitos intermináveis que sangram palestinos e israelenses?
Barack, olhas para cima de teu labirinto e poderás encontrar a estrela para te guiar, ainda que saibas que nunca poderás alcançá-la, como bem diz Eduardo Galeano. Busca a coerência entre o que dizes e fazes, essa é a única forma de não perder o rumo. É um desafio da vida.
O Nobel da Paz é um instrumento ao serviço dos povos, nunca para a vaidade pessoal.
Te desejo muita força e esperança e esperamos que tenhas a coragem de corrigir o caminho e encontrar a sabedoria da Paz.
Adolfo Pérez Esquivel, Nobel da Paz 1980.
Buenos Aires, 5 de maio de 2011