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sábado, 10 de março de 2012

Aprendizado para a sustentabilidade

Por Vilmar Sidnei Demamam Berna*


Nossa espécie tem a capacidade de adequar sua visão de mundo até que faça sentido com seus interesses e valores. A realidade é o que é, mas também inclui o que achamos e convencionamos que passará a ser, por que parte dela é matéria e parte é feita dos nossos sonhos, utopias, idéias que dão sentido à existência.

Nossos atos, comportamento, moral, ética são determinados por essas visões da realidade e, estas, são influenciadas pelas informações e pelos valores que recebemos.

A informação histórica, por exemplo, nos dá possibilidade de conhecer nossas raízes e herança, as origens das idéias que definem e dão sentido ao mundo como o conhecemos hoje e como isso influência em nossas atitudes e escolhas. Até para que compreendamos que são idéias aprendidas e que elas mudam à medida que mudamos nossas escolhas.

A idéia predominante hoje é a de que somos os donos da natureza. E ela não é nova. Também não é uma idéia européia. Muito antes dos “Descobridores” terem chegado ao ´Novo Mundo` os povos que os antecederam já tinham se encarregado de extinguir a megafauna, como a preguiça gigante. E nos demais continentes aconteceu o mesmo com o Mamute, o Tigre-dente-de-sabre e tantas outras espécies. Técnicas de caça primitivas, ainda usadas hoje, mostram como deve ter sido. Os caçadores queimavam parte dos ecossistemas obrigando os animais a fugirem até serem encurralados em lamaçais ou locais onde pudessem ser abatidos mais facilmente. O desastre ambiental devia ser enorme a cada caçada. Até aqui, não existiram mocinhos em nossas relações com a natureza. Nossa geração tem a chance de começar a mudar essa história, por que nenhuma antes de nós teve tantos recursos e conhecimentos disponíveis. Não podemos nos livrar de nossa herança biológica que nos coloca na parte da cadeia alimentar reservada aos predadores, mas isso também não significa que tenhamos que agir como pragas que consomem até se extinguirem depois de destruir tudo. Diferente das pragas, temos discernimento para escolher entre o bem e o mal.

Também não é justo, com os humanos que nos antecederam repudiarmos a herança natural e cultural que nos deixaram. Certos ou errados, graças a eles estamos aqui, hoje. E se temos mais ferramentas e tecnologias do que eles, mais compreensão e conhecimento da natureza do que eles tiveram, não se justifica continuar cometendo os mesmos erros. Nossa geração tem uma oportunidade histórica que nenhuma geração anterior à nossa teve, a de encontrar um caminho de sustentabilidade na nossa relação com a natureza.

Precisamos encarar o fato de que as máquinas que vieram facilitar a nossa vida foram também as principais responsáveis por aumentar nossa ´pegada ecológica´. A destruição e o uso dos recursos naturais - que antes da Revolução Industrial se dava numa escala artesanal -, passou a se dar numa escala industrial. Nos últimos dois ou três séculos, as gerações que nos antecederam deixaram uma herança cultural e econômica importante, mas também deixaram atrás de si um rastro de destruição ambiental, miséria para a maioria e concentração de riquezas e poder para uma minoria.Talvez este seja o papel da nossa e das próximas gerações, encontrar o equilíbrio entre o direito ao progresso e ao desenvolvimento humano e a sustentabilidade da natureza, o que vai exigir uma mudança radical na forma como pensamos e fazemos as coisas. Podemos não conhecer exatamente como ser sustentáveis, mas não temos alternativas a não ser tentar, aprendendo no próprio ato de caminhar, por que a história não nos inspira com bons exemplos de sustentabilidade.

A boa noticia é que estamos mudando, e rápido. A escravidão foi abolida e hoje é considerada crime hediondo, assim como o preconceito. Na nossa relação com os animais cada vez menos a sociedade tolera maus tratos sob qualquer argumento e já existe um sentimento de que precisamos promover o bem estar deles. Os povos originais não contatados ainda são mantidos isolados, para viverem da forma que julgarem melhor. Em relação à natureza, cresce cada vez mais o conceito de sustentabilidade.

Já existe uma forte pressão mundial para que o principal indicador de progresso das nações, o PIB ( Produto Interno Bruto ), não considere apenas indicadores econômicos, mas também sociais e ambientais. Os relatórios de prestação de contas das empresas já incorporam a sustentabilidade como parte do negócio em vez ver como um custo a mais ou um obstáculo no caminho do lucro.

A má noticia é que entre as idéias - a boa intenção, as leis, as políticas, o discurso - e as boas práticas, ainda existe um enorme vazio a ser preenchido com trabalho duro de gestão, capacitação, sensibilização, treinamento, pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias, democratização da informação para a sustentabilidade para que as pessoas possam fazer escolhas diferentes das que nos conduziram à beira de um colapso e, principalmente, exercício de cidadania critica e consciente, por que as mudanças não acontecem por acaso nem são resultados de salvadores da pátria ou de déspotas esclarecidos.

As mudanças, numa sociedade, para serem duradouras, devem resultar da organização dessa sociedade em torno de seus direitos e no rumo do mundo melhor que deseja. E esta organização e consciência socioambiental têm crescido a cada Fórum Social Mundial, a cada Cúpula dos Povos, a cada nova ONG que é criada para lutar pelos direitos difusos, e, infelizmente, a cada grande acidente ambiental - amplamente divulgado por uma mídia cada vez mais sensível às questões socioambientais.

O anunciado colapso ambiental já está nos atingindo. Segundo alerta de 1360 cientistas, de 95 países diferentes, que durante 4 anos, de 2001 a 2005, estudaram a situação ambiental global, 60% dos ecossistemas do Planeta já foram alterados. Para ficar só num exemplo - entre tantos outros -, as águas do mar de Aral foram drenadas para a produção agrícola até seu completo esgotamento. E detalhe. Neste caso, não foi pelo Capitalismo ou pela ganância de uns poucos em enriquecer, mas foi num país de regime Comunista, resultado de um planejamento governamental, de uma técnica e uma política comprometida com uma visão de mundo onde apenas os ganhos socioeconômicos foram levados em conta em detrimento dos ambientais. O que também revela que a ciência, a política, a técnica não são neutras. E que não interessa o 'ismo' ideológico que uma sociedade adote; se não respeitar a capacidade de suporte da natureza vai chegar aonde os outros chegaram. Onde antes havia um mar, com navios, peixes e pescadores, agora existe um deserto.

Ignorar os alertas não livrou civilizações anteriores como a dos Faraós, dos Maias, dos povos da Ilha de Páscoa de se extinguirem após o uso intensivo dos seus recursos naturais, principalmente da água, além da capacidade de suporte da natureza.

Precisamos aprender com os próprios erros e mais ainda com os erros alheios a fim de não repeti-los indefinidamente.

Gostamos do conforto de nossas cidades e não saberíamos mais viver sem elas. Mais um motivo para encontrarmos o ponto de equilíbrio que nos permita associar desenvolvimento econômico, justiça social com a capacidade de suporte da natureza. Civilização nenhuma antes da nossa possuiu tantos recursos, conhecimento e informação, oportunidades quanto a nossa. Hoje, sabemos muito bem aonde o mau uso da natureza pode nos levar e sabemos que podemos mudar nossa história.

* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ), em janeiro de 1996 fundou o Jornal do Meio Ambiente e, em 2006, a Revista do Meio Ambiente e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas - http://www.escritorvilmarberna.com.br/