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segunda-feira, 21 de março de 2011

Ilusões e realidade para a sustentabilidade

Por Vilmar S. D. Berna*

 
Precisamos sonhar com a possibilidade de um futuro, de um mundo melhor, pois os sonhos nos motivam para a ação, nos animam a romper com a inércia e a suportar a dor do esforço no rumo a outro jeito de ser e estar no Planeta e na sociedade, ambientalmente sustentável e socialmente mais justo. Os sonhos nos dão energia para as boas práticas e a confiança de que é possível.
 
Entretanto, entre declarações de políticas e promessas ambientais e a realidade, existe um vazio proporcionalmente tão grande e profundo quanto nossa capacidade de sonhar. Um vazio que pode e precisa ser preenchido com gestão, planejamento, investimento de tempo e dinheiro. Entre os oito e o oitenta, em gestão ambiental, será preciso passar por um monte de outros números. Sonhar é relativamente fácil, difícil é colocar em prática. Então, é natural que entre a intenção e o gesto exista um tempo de maturação para acontecer. O importante é demonstrar o movimento, saber valorizar e divulgar os bons resultados, mesmos pequenos, para renovar o incentivo e estimular o aumento na velocidade das mudanças, e também refletir sobre os maus resultados, pois pode ser o caso de precisar rever metas e objetivos. Se os sonhos forem pouco ambiciosos - apenas para produzir uma pequena mudança -, este vazio será menor e o esforço requerido para preenchê-lo de realizações também. Entretanto, os resultados também poderão ser pequenos e podem nem valer à pena, podendo produzir mais desgastes que levar a alguma mudança. E não adianta fazer pouco e tentar compensar depois no marketing, por que o tiro pode sair pela culatra, e uma reputação manchada é de difícil recuperação depois. Se for grande demais, por mais que se persiga o sonho, este sempre parecerá inatingível. Ainda assim poderá valer a pena para nos manter seguindo em frente, apesar das adversidades. Muitas das grandes mudanças na Humanidade começaram de um pequeno desvio, como o empreendedorismo dos tropeiros arriscando-se no comércio ambulante entre as cidades da Idade Média e que resultaram no mercantilismo e no fim da estrutura feudal de poder.
 
Alguns sonhos podem ser sonhados sozinhos, e ainda assim serem possíveis de se realizar, como serem consumidores mais responsáveis, ou menos gananciosos e mais solidários. Outros precisam ser sonhados juntos para se tornarem realidade, como a construção de uma sociedade sustentável, requerendo de nós o esforço de sensibilizar e convencer aos demais. Outros sonhos podem demorar gerações para acontecer, contando com o esforço e o engajamento de gente que ainda nem nasceu. As catedrais da Idade Média, por exemplo, levavam gerações para serem concluídas, e ainda assim pôde ser realizada por pessoas que sabiam que se não fizessem bem a sua parte, a geração que viria depois teria de começar do zero. Um pouco como a mudança para a sustentabilidade. Nossa geração começou agora uma obra cujos frutos talvez só venham a ser colhidos em quantidade pelos que virão depois. Melhor isso que deixar como herança um Planeta esgotado, poluído e incapaz de sustentar a vida como a conhecemos.
 
Alguns se dão por satisfeitos apenas em reclamar imaginando que o mundo melhor que desejam deve começar no outro. Outros preferem se iludir com falsas promessas ou soluções milagrosas, em vez de encarar a realidade de que somos a raiz dos problemas do mundo e também podemos ser a solução, dependendo das escolhas que fizermos. Precisamos ajustar nossas percepções para saber aproveitar as oportunidades como elas se oferecem e não como gostaríamos que aparecessem. E saber lidar com as frustrações e com a dor do esforço e da incapacidade de alcançar certos objetivos, por que talvez ainda não seja a hora ou ainda não estejamos prontos.
 
Para os que acreditam em divindades, é hora de pedir que nos acolham em nossas dores e angústias e nos salvem de nós mesmos. Entretanto, tal conforto espiritual não chega para todos. O que temos nas mãos é a possibilidade aqui e agora de arregaçar as mangas e trabalhar pelas mudanças, a partir de nós próprios, assumindo que somos os resultados de nossas escolhas, e que o nosso sucesso ou fracasso resultarão de nossos sonhos e da capacidade realizá-los.
 
* Vilmar é escritor, com mais de 20 livros publicados. Em 1996, fundou a REBIA – Rede Brasileira de Informação Ambiental e edita a Revista do Meio Ambiente e o Portal do Meio Ambiente. Em 1996, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente – www.escritorvilmarberna.com.br e www.portaldomeioambiente.org.br

terça-feira, 1 de março de 2011

Cabo Verde: uma nação bilíngue

A língua é, seguramente, um dos elementos fundamentadores e estruturantes da identidade cabo-verdiana. Por isso, não se aborda este tema sem que se dê àquela um destaque especial. Cabo Verde tem a feliz ventura de possuir uma língua materna – o crioulo – falada por todo o seu povo, quer dentro, quer fora das ilhas. O crioulo é o principal elo de ligação e o melhor instrumento identidário do povo cabo-verdiano. Apesar das diferenças dialectais que possam existir entre as diversas variantes, de ilha para ilha, em geral, entendem-se em crioulo, seja qual for a ilha de que seja oriundo o falante ou o seu interlocutor. Em qualquer parte do mundo em que se encontre, o caboverdiano pode falar a língua do país em que reside ou que o acolhe, mas, seguramente, fala a sua língua materna.

Enfim! O que une, indelevelmente, os cabo-verdianos (de Angola, de Cabo Verde, dos Estados Unidos da América, de França, da Guiné Bissau, da Holanda, da Itália, do Luxemburgo, de Moçambique, de Portugal, do Senegal, de S. Tomé e Príncipe, etc., etc.) é, antes de mais e sobretudo, a sua língua comum, a sua língua materna – o crioulo. Não há dúvidas, pois, que o crioulo está na essência da identidade do cabo-verdiano. Por isso mesmo, não se compreendem algumas interrogações ou, mesmo, alguma resistência que se opõe ao reconhecimento ou assumpção do crioulo como uma das línguas oficiais de Cabo Verde (ALMADA, 2006, p. 17).

O ethos cultural caboverdiano e a globalização econômica, política e cultural faz de Cabo Verde uma nação bilíngüe. No aeroporto de Fortaleza, por exemplo, nas chegadas e partidas dos vôos da Companhia de Transportes Aéreos Cabo Verde (TACV), é comum escutar cidadãos e cidadãs expressando-se com garbo no idioma crioulo. Muitos brasileiros ficam curiosos para saber que língua eles estão falando. É o idioma nacional. É isso que lhes dá uma identidade enquanto povo, enquanto nação.

Na verdade, se o rio é a certeza de que existe o lugar geográfico, como bem frisa Manoel Fernandes de Sousa Neto (1996), parafraseando Adélia Prado, podemos afirmar que a língua é a garantia de que um povo existe enquanto nação. No País Basco, por exemplo, povo que sobresiste, apesar de estar inserido em territórios geográficos da Espanha e da França, é considerado nacional Euskaldun aquele que fala a língua basca, como bem o diz a própria acepção da palavra. Podem, assim, todos os caboverdianos, ser considerados uma grande nação, pois estão consagrados pelo uso comum de um língua que a todos une como Pátria, Mátria, Frátria (GOMES, 2008, p. 43).

Embora não esteja ainda oficializado, do ponto de vista formal e gramatical, o crioulo é uma língua de tradição oral e já é ensinada até nos Estados Unidos, especialmente na região da Nova Inglaterra, onde vivem milhares de caboverdianos (2006, p. 19). No entanto, o alfabeto unificado para a escrita do crioulo (ALUPEC) já se encontra dotado de um alfabeto próprio com gramáticas, dicionários e livros de lição publicados. Pode-se dizer, portanto, que em Cabo Verde existem duas línguas oficiais: o Português e o Crioulo. O bilingüismo em Cabo Verde ainda está, é verdade, em processo de construção, mas, por sua natureza e circunstância histórica de colonização, o caboverdiano pode ser considerado desde já um povo bilíngüe.

O crioulo, a língua materna, une angolanos, caboverdianos, guineenses, moçambicanos, senegaleses, tomeenses e nacionais destes países nascidos além-mar e os transformam em povos de uma só nação. O português é a língua oficial, fruto da colonização por Portugal. Obviamente que em algumas nações e também para os que nasceram e se criaram em países de fala não portuguesa o bilingüismo pode ser crioulo-francês, crioulo-inglês ou crioulo-holandês. “O crioulo está de tal forma entranhado na identidade cabo-verdiana, que não é possível pensar o cabo-verdiano sem a sua língua materna, como ele próprio não se pensa e não existe sem a sua língua” (2006, p. 25).

Apesar da colonização por Portugal, são muitas as razões históricas e culturais que aproximam Cabo Verde dos Estados Unidos da América e do Brasil, até mesmo mais que da Europa. No país norteamericano vivem tantos caboverdianos quanto em Cabo Verde, podendo-se viver culturalmente em certas regiões, notadamente na Nova Inglaterra, em muitos aspectos como se estivesse vivendo em Cabo Verde. Já com o Brasil, além da proximidade geográfica, há laços históricos, culturais e de civilização que ligam os dois povos.

“Os cabo-verdianos sentem-se tão próximos, culturalmente e por características psicossomáticas, dos brasileiros, que os nossos poetas e cantores já chamaram Cabo Verde de “Brasilinho”, assim como hoje, já há brasileiros dizendo que o “Brasil é um grande Cabo Verde” (2006, p. 39). Do ponto de vista da economia, esta proximidade com o Brasil atrai muitos empresários, notadamente do ramo comercial, de Cabo Verde para o Brasil. Neste aspecto, o Serviço de Apoio às Pequenas e Médias Empresas do Ceará (Sebrae) mantém um serviço de apoio e cooperação com Cabo Verde.