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quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Ruídos na comunicação ambiental

Por Vilmar Sidnei Demamam Berna*


Os ruídos na comunicação ambiental podem atrapalhar o entendimento sobre consumo, recursos naturais, superpopulação, amadurecimento pessoal ou sobre a neutralidade na informação.

Quando se faz a crítica ao consumismo, por exemplo, não é ao ato de consumir, em si. Não há nada de errado em consumir. É o que fazemos, do berço ao túmulo. O que se critica é o consumo irresponsável; o desperdício, que destrói recursos que poderiam estar sendo melhor distribuídos; a redução da vida humana às dimensões de produzir numa ponta para consumir na outra, como se ganhar dinheiro e gastá-lo é que fosse o importante, e viver, amar, ser feliz nem tanto, claro, a não ser que tenha o consumo como intermediador.

Quando se alerta sobre o fato dos recursos naturais serem limitados não significa que não haja recursos no Planeta suficiente para todos. Há, até de sobra. O que se critica é a pegada ecológica desigual, onde uns poucos pegam muito mais que a maioria, só possível por que existe desigualdade social e falta de cidadania consciente e participativa na luta por políticas públicas.

Quando se alerta para nossa superpopulação de 7 bilhões de humanos, não quer dizer que o Planeta não possa suportar esse número ou ainda mais gente. O que se critica é o fato da população estar se multiplicando numa velocidade muito maior que a capacidade dos governos e dos mercados em prover a todos de infra-estrutura e condições dignas de sobrevivência, produzindo perversa e mesmo deliberadamente uma exclusão social que permite a concentração de renda e poder de uma minoria.

Também é equivocado imaginar que o mundo melhor que se deseja depende primeiro da evolução pessoal e espiritual dos indivíduos. As pessoas não amadurecem ao mesmo tempo, por isso a mudança para a sustentabilidade requer cidadania crítica e participativa, mecanismos legais e estruturas democráticas que assegurem iguais direitos e oportunidades para todos, em vez de imaginar, como o profeta, que gentileza gera gentileza. Se gerasse, não haveriam tantos estelionatários e pessoas que se aproveitam da boa vontade dos outras para obter vantagens.

Finalmente, não devemos nos iludir com a idéia de neutralidade em comunicação. Informar é o ato de escolher que parte da verdade queremos Iluminar e que parte deixaremos nas sombras. Logo, o observador interfere diretamente na observação ao comunicar sobre ela. Assim como existem comunicadores a serviço da sustentabilidade, existem comunicadores a serviço de poluidores e organizações que trabalham para garantir privilégios e controle político, social e ambiental, para aumentar seus lucros, doa a quem doer. Refugiam-se na idéia de que apenas realizam o seu trabalho profissional e cumprem ordens. O mesmo argumento do piloto que lançou a bomba nuclear sobre o Japão pulverizando instantaneamente mais de 250 mil pessoas e causando danos a milhões de outras.

A gente tende a imaginar que todos, em princípio, são bons, até que nos provem o contrário. Mas bondade e maldade existem em todos nós e são questões de escolhas. Nem só de boas intenções são feitos os caminhos da sustentabilidade. Existem pessoas e organizações que tiram vantagem da atual situação e não querem ver seus ganhos e privilégios diminuídos. Então, podem se aproveitar dos ruídos na comunicação ambiental para manterem a opinião pública na dúvida e desmobilizada. À medida que os ruídos são identificados e eliminados, a opinião pública deixará de ser um alvo tão fácil nas mãos dos aproveitadores.

* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas - http://www.escritorvilmarberna.com.br/

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A Europa do Cerrado

A revista The Economist elaborou recentemente um mapa do Brasil, onde compara os estados brasileiros a países, considerando o PIB, o PIB per capita, e a população. Em termos de PIB, temos no Brasil uma Polônia (estado de São Paulo), uma Cingapura (RJ), ou uma Swazilândia (Roraima). Fica bem claro que a distribuição regional do PIB brasileiro ainda é incrivelmente desigual, com o PIB de São Paulo sendo quase três vezes o PIB do Rio de Janeiro, o segundo estado mais rico da federação, e dezenas e até centenas de vezes maior que o PIB dos estados mais pobres.


Em termos de população temos dentro do Brasil por exemplo uma Argentina (estado de São Paulo), um Paraguai (Santa Catarina), ou uma Mongólia (Distrito Federal). A heterogeneidade na distribuição da produção parcialmente se explica pela heterogeneidade na distribuição da população sobre o território. Parcialmente, porque o resto da diferença vem de uma enorme desigualdade da renda per-capita. De fato, o que mais impressiona no mapa da The Economist são os dados de PIB per capita. Temos no Brasil uma Tonga (Maranhão, com US$3.327 per capita por ano), e uma Geórgia (Piauí, com US$2.929), mas também uma Rússia (RJ, US$11.786), ou uma Polônia (SP, US$13.331). As desigualdades regionais são naturais e existem em qualquer economia, mas no Brasil as diferenças são gritantes. Nos Estados Unidos, por exemplo, os 11 estados do sul do país que formaram a confederação tiveram suas economias devastadas pela guerra civil. Historicamente sempre foram mais pobres, mas houve um processo de convergência. Hoje, a renda média familiar nesses 11 estados corresponde a 90% da renda média familiar do país como um todo. No Brasil isso ainda está longe de acontecer.

Então eis que se destaca o incrível Distrito Federal, com US$ 25.062, uma mini-Europa dentro do terceiro mundo. Comparável a uma nação desenvolvida como Portugal, com renda-per-capita de US$23.844. Inexplicável, certo? Um enigma. Como uma unidade da federação que não possuiu parque industrial, não possui vasta produção agrícola pode ter indivíduos com uma renda média de quase duas vezes a renda média do estado mais rico da federação? A chave do enigma tem duas palavras: Governo Federal. A verdade é que o governo no Brasil é um Robin Hood ao contrário. Ele tira dos pobres para dar para aos ricos. Ele tem uma mão pesada que agarra 40% de tudo que é produzido em Tonga, na Geórgia e demais recantos desafortunados do país, inundando nossa mini-Europa do cerrado com dinheiro farto. Esse dinheiro vai remunerar um funcionalismo público, sobretudo um legislativo e um judiciário, com rendas vergonhosamente desalinhadas com a realidade do país. É também esse dinheiro que faz com que os melhores engenheiros, médicos e economistas do país abandonem suas ocupações na iniciativa privada pra virar improdutivos funcionários públicos.

Mas uma parte desses 40% do PIB brasileiro que o Estado toma vai alimentar os inúmeros esquemas de corrupção e desperdício de dinheiro público que ocorrem em Brasília. É o nosso Karma. Cada país tem o seu. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Karma de desperdício de dinheiro público são os gastos militares. A diferença, contudo, é que gastos militares são por definição, gastos. Eles dinamizam a economia, geram empregos, produção, via o que se conhece como multiplicador keynesiano. No Brasil, o dinheiro que alimenta a corrupção não é gasto, em geral é entesourado em contas na Suíça. Seu efeito sobre a prosperidade do país é nulo. Na melhor das hipóteses, ele dinamiza as economias dos países que exportam os Porsches, Ferraris, Camaros e outras maravilhas tecnológicas que despontam cada vez mais na paisagem de nossa Europa do Cerrado.

Rodrigo M. Pereira

PhD em economia pela Cornell University, EUA.

sábado, 15 de outubro de 2011

CTA - O Teatro Acontece no SESC Emiliano Queiroz

Um quilo de açúcar era o que se pedia para entrar e assistir os 4 esquetes da noite, 14 de outubro, no palco do SESC Emiliano Queiroz. Eram 4 experimentos, alguns estreando, outros já veteranos, dois autorais e outros dois de um dramaturgo sergipano. O atraso, ainda que pequeno, foi inevitável.

O Vizinho do 203, mostrado no FECTA-2011, já era bem conhecido de quase todos. Uma proposta ousada, adequada para o horário apresentado, trata das agruras e vicissitudes do homossexual, principalmente, quando este tem uma vida heterossexual para sustentar. Quanto à questão levantada pelo diretor Joca Andrade sobre a adequação ao público, eu considero que o público infantil presente é que estava no horário e local inadequados. Álvaro Renê e Luiz Almeida estão muito bem e não é necessário colar os lábios para mostrar que o beijo na boca existiu. Também não concordo com o diretor sobre a música do Chico Buarque. Não acho que exista “música heterossexual”. Música é música e ela pode servir e ser dedicada a quem se ama, independente de sexo. O hetero dedica ao outro sexo e o homo ao seu idêntico. Dizem que aquela música do Nat King Cole Aquellos ojos verdes é dedicada a um taxista que ele sempre pegava quando ia a Nova York, mas eu quando escuto a música só penso em uma morena linda de olhos verdes. Até aquela música do Martinho da Vila, Já tive mulheres..., quando ele fala, “mas nenhuma me satisfez como você me faz”, este você aí tanto pode ser u’a mulher quanto um homem, depende de quem escute ou cante. Fico pensando nas letras das músicas que o Fagner canta, muitos pensamos em mulher quando as escutamos mas ele, certamente as dedica a um parceiro. Não existe música hetero ou homossexual, a música é universal.

Deixe-me sonhar. Renata Forte, João Araújo e Tomzé (nos bastidores ou coxias) falam sobre uma temática recorrente no mundo atual. O drama do suicídio, de se pensar em tirar a vida, de se estar sempre por um fio é bastante comum. Há sempre outras maneiras de se resolver os dilemas e ser feliz. Era um experimento de estreia e os ajustes acontecerão naturalmente. Eu vi ali um precipício, uma ribanceira. O Joca viu um edifício. Essa é a riqueza da arte, as múltiplas interpretações que ela nos proporciona. Aliás, como já disse o Almeida Júnior, em um desses sábados no nosso curso do CITA, “A arte não é para ser compreendida, ela está posta para ser apreciada”.

Lilith, O paraíso não existe mais. O mito de Adão e Eva e o fruto proibido, uma concepção do Álvaro Renê, apresentado pelo mesmo. Desde os idos da Idade Média que essa temática é tratada. Acho que alguns conselhos do Joca servirão para melhor compor o personagem, principalmente, aquela troca de indumentária no palco, quando Adão se transforma em Eva. Concordo que a música brasileira, clássica ou popular, seria mais adequada. A cestinha, realmente, não tem como não evocar ao conto da Chapeuzinho Vermelho. É preciso pensar em outra forma para distribuir as maçãs, uma sacada genial.

O doce e amargo. Renata Leite e o seu parceiro apresentam um tema bem recorrente, o desencantamento entre os casais, o desgaste da relação. Quanto ao comentário do Joca, com relação ao “desperdício” do açúcar, o que tenho a dizer é que o público é bastante crítico com relação a essas coisas e pode ficar imaginando o quanto aquele açúcar faria bem em sua casa, por exemplo, ou em residências de pessoas carentes. A arrecadação deveria servir para doação. Eu tive esta sensação ao ver e rever a peça “E se...”, dirigida por Silvero, apresentação final dos Princípios Básicos noturno deste ano. O cenário era forrado de papel A4 e no final ainda há uma revoada destes papéis sobre o público. Quantas árvores tiveram de ser cortadas para produzir aquele papel? Mas, cabe a pergunta, havia jeito de ser diferente? É questão de pensar alternativas, tanto para o açúcar, quanto para o papel.

Talvez o Joca Andrade tenha lido bastante Stanislavsky e tenha querido desconstruir para que depois seja melhor reconstruído. Toda crítica deve ser aceita como uma fórmula para o nosso crescimento e aperfeiçoamento. Muito embora, tudo também é uma questão de opinião pessoal, que pode ser aceita, ou não, por nós. E sigamos o conselho de Steve Jobs: "Você pode encarar um erro como uma besteira a ser esquecida, ou como um resultado que aponta uma nova direção"

Agora uma reflexão final. Será que, tal como no jornalismo, no teatro tudo tem que ser tragédia? Só o que é, digamos, ruim ou negativo, pode ser apresentado, ou chama mais a atenção? Será que não podemos pensar em algo positivo, bom, como, por exemplo, chamar a atenção para a preservação ambiental, conservação da natureza, economia do uso da água etc.? Poderíamos ponderar algo assim, menos trágico ou negativo, mais positivo e prático para a nossa montagem?

sexta-feira, 29 de julho de 2011

O maestro, o amor e a doação

Aprendi, outro dia que perdoar é a junção de “per” com “doar”. Doar é mais do que dar. Doar é a entrega total do outro.
O prefixo “per”, que tem várias acepções, indica movimento no sentido de ou em direção a, ou através, ou para; etimologicamente falando, portanto, perdoar quer dizer doar ao outro a possibilidade de que ele possa amar, possa doar-se. Não apenas quem perdoa que se doa através do outro.
Perdoar implica abrir possibilidades de amor para quem foi perdoado, através da doação oferecida por quem foi agravado.
Perdoar é a única forma de facilitar ao outro a própria salvação. Doar é mais do que dar: é a entrega total...
Perdoar é doar o amor, é permitir que a pessoa objeto do perdão possa também devolver um amor que, até então, só negara ...
Foi com esta citação do imortal Arthur da Távola, que teve início, na noite de ontem, a esplendorosa apresentação do maestro João Carlos Martins e a Orquestra Bachianas Filarmônica, no Teatro José de Alencar, em Fortaleza. A citação logo me evocou a lembrança do Frei Hermínio Bezerra e seu incansável estudo sobre a formação, deformação e origem das palavras em sua coluna semanal, às segundas-feiras no Diário do Nordeste.
A agradável companhia da prima Ionele Puster, logo acrescida pela encantadora presença, em nosso camarote, da "rainha" Juliana, que tornou a noite mais deleitável e a espera muito mais prazerosa. Só faltou a Miren para a noite ser mais completa.
Nascido em 1940, João Carlos Martins, o maior intérprete das obras de Bach, atualmente, é um exemplo de superação e resistência para todos nós, por ter vencido múltiplos acidentes e obstáculos para dedicar-se à música até os dias de hoje.
O espetáculo, beneficente, objetivou oferecer esperanças e novas perspectivas de tratamento aos pacientes com doença renal crônica da Fundação do Rim, no Meireles, em Fortaleza.
O repertório incluiu Mozart, Bethoven, Brahms, Villa Lobos e Astor Piazzolla. A Orquestra, literalmente, abriu espaços para apresentações ao piano do maestro, apesar dos limitados movimentos de uma das mãos.
Ao palco, João Carlos Martins trouxe membros da Escola de Samba Vai Vai, de São Paulo, cujo samba enredo de 2011 homenageou o maestro. O simpático "bocão" e seu choro da cuíca foi um show à parte. Os ritmistas da Escola de Samba fizeram a alegria do público com o acompanhamento de obras de Bach, Brahms e o primeiro movimento da Quinta Sinfonia de Bethoven.
Ênio Morricone ficou reservado para a surpresa final. E até o sucesso popular Trem das Onze, de Adoniram Barbosa, imortalizado pelo Grupo Demônios da Garoa, foi tocado pela fantástica Orquestra Bachianas Filarmônica, regida pelo maestro e cantada pelos mais de 700 presentes.
Um espetáculo imperdível e inesquecível e que valeu pelo que se viu, se ouviu e se viveu e também pelo fato de se poder dizer: "Eu fui, eu ajudei", Fundação do Rim, Semeando o Futuro (85) 3261.6122.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

E o meio ambiente atravessou o samba do progresso a qualquer preço

Por Vilmar Sidnei Demamam Berna*


No meio ambiente existe o bloco dos ´amigos da natureza' que às vezes não mede os riscos ao atravessar o samba do bloco dos 'amigos do progresso a qualquer preço'. Alguns chegam a ser eliminados do espetáculo. Entre os problemas dos ´amigos da natureza´ está a dificuldade em cantar o mesmo samba juntos. Os 'amigos do progresso a qualquer preço´ adoram isso, por que ganham com a confusão. Entre os ´amigos da natureza´ tem alguns que também adoram uma confusão, por que o negócio é aparecer e assim aumentar as chances de ganhar alguns minutos de fama, ou mesmo uma boquinha, um carguinho ou verbinhas para seus projetos. Às vezes criam dificuldades para negociar facilidades e exageram nas gorduras dos gestos, dos gritos e das reivindicações para na hora do reparte não ter de cortar nas carnes. Tem outros que acreditam tanto no consenso que acabam flertando com o 'inimigo'. Quando descobrem que foram enganados - geralmente tarde demais para o meio ambiente - , migram para o bloco dos 'ressentidos', ou do ´Vai dar merda`, ou do ´Eu avisei ´.

A platéia costuma assistir ao espetáculo entre uma mastigada e outra no jantar, entre uma ou outra noticia de bala perdida, seqüestro relâmpago, nada que tire o sono, pois logo a seguir vem a novela, depois o futebol ou o BBB. Quando a turma dos 'inimigos do meio ambiente' atravessam o samba logo entra em cena o bloco do "Deixa Comigo que já estou cuidando de tudo", e tem a turma da 'Diretoria' que aposta no quanto pior para o meio ambiente melhor, por que significa que mais um TAC vai ser negociado entre um vôo de jatinho e outro, e sempre sobra uma vantagenzinha para engordar o caixa ou o prestigio eleitoral.

Audiência publica nem precisa, pois só serve para que os que vão sofrer as conseqüências saibam o tamanho do desastre ambiental que irá se abater sobre eles. Afinal, não é uma perereca ou um bagre ridículo, ou algum índio emplumado ou meia dúzia de plantadores de alface que irão atrapalhar o espetáculo do progresso a qualquer preço pelo bem do Brasil e dos brasileiros! Claro, sempre dá para descolar uma almofada como medida mitigadora para aliviar a dor das tragédias.

Azar é quando uma das alegorias do bloco do ´progresso a qualquer preço´ quebra no meio da avenida. É um corre corre para abafar a situação e não deixar que o incidente atrapalhe o espetáculo do crescimento. Nessa hora, entra na avenida a tropa de choque dos foliões dos blocos dos 'Nada a Declarar', 'Fica tranqüilo que o problema já foi resolvido', 'Já abri um inquérito para apurar as responsabilidades', 'Já multamos em milhões e estamos negociando um TAC'. Tudo perfeitinho como manda o figurino. E aí é só apostar para que o problema suma logo das vistas do público por que aí a mídia vai se desinteressar rapidamente e assim, tudo volta ao normal, e o samba pode retomar o ritmo do 'vamos em frente enquanto tem meio ambiente'.

Os únicos chatos que não esquecem são alguns ´amigos da natureeza´ biodesagradáveis, mais conhecidos por ecochatos, que deveriam ser coerentes e voltar a andar nus, morar em cavernas e usar a luz das fogueiras. Mas não, essa gentinha gosta mesmo é de reclamar e atrapalhar, e é ajudada por um tipo de imprensa que só gosta de noticia ruim! Parece quem tem uma especial predileção para o que não dá certo. Não adianta imprimir relatórios de sustentabilidade em papel reciclado, neutralizar as emissões de carbono plantando árvores, nada parece deixar esse pessoalzInho satisfeito.
Ainda bem que existe o bloco dos 'contentes' para animar o Carnaval do ´progresso a qualquer preço´. Não importa quanto aumente o desmatamento ou o aquecimento global, derrame óleo nos mares, ou vaze radiação nuclear, vai ficar tudo numa boa. O 'bloco dos contentes' tem fé na ciência e na tecnologia salvadoras e que logo logo darão um jeito em tudo, e ainda farão poluição e destruição ambiental dar lucros com máquinas maravilhosas transformando lixo e esgoto em energia e devolvendo recursos naturais ao Planeta! Quem tiver um lixão que o guarde bem, pois valerá seu peso em ouro! Água poluída, então, nem se fala! Com o reúso vai até sobrar dinheiro no caixa das empresas que não precisarão mais comprar água para resfriar processos! Os engarrafamentos se transformarão numa das novas maravilhas desse novo mundo, com carros emitindo apenas vapor d'água, verdadeiras ilhas de conforto com ar-condicionado movidos a energia solar e equipamentos de som e vídeo de dar inveja a qualquer discoteca das mais avançadas.
* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas – www.escritorvilmarberna.com.br

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Contradizes

A música ao violão era agradável aos ouvidos de quem chegava ao Teatro José de Alencar, na tarde desta quarta-feira, 20, para a estreia da peça Contradizes, apresentada pelo Curso de Princípios Básicos de Teatro, 2011, manhã. As pessoas recebiam as senhas no balcão e eram instadas a aguardar no pátio. 15 horas soa a campainha. Forma-se rapidamente a fila. Suspense. Aviso: “atenção, devido a um problema técnico com a iluminação, teremos um atraso de 30 minutos”. Dispersão. Os atrasados acabaram beneficiados.


15h30min. Novo sinal da campainha. A fila, já formada, aguarda mais 15 minutos para poder entrar. Palco principal. Já com os atores no cenário. Luzes apagadas. Tropeços. Busca de arquibancadas. Celulares que tocam. Pessoas que conversam.

15h45min. Começa o espetáculo. Dois grupos de atores podiam ser vistos. Uns em pé. Outros abraçados e tão bem enroscados que pareciam apenas três, ou, no máximo, quatro. Ao se desenroscarem e ficarem de pé eram sete. Ao centro, duas cadeiras, uma de frente, com um nariz de palhaço, outra de lado. Entra o primeiro personagem pelo lado, dá dez passos, dança, faz gestos, senta na cadeira que está vazia, pega o nariz de palhaço. Cada vez que o coloca sobre o nariz, toca uma música, ele se alegra; tira o nariz, a música se acaba ele se entristece.

Os 17 atores estão todos com um figurino cinza, tipo macacão, com as 20 unhas pintadas em um tom pouco mais escuro que a roupa. Atuavam em grupos distintos. Às vezes em dupla. Ora dançavam. Ora grunhiam. Os grupos, tal qual um exercício que fiz esta semana na Oficina de Dança com Andréia Pires e Daniel Pizamiglio, executavam tarefas distintas em seu espaço do palco.

Juntos cantaram: “Beijei a boca da noite e engoli milhões de estrelas, fiquei iluminado e me acordei mil anos depois por trás do Universo”. Neste momento lembrei-me de Raul Seixas. Mas, na verdade, o texto é extraído do poema Ação Gigantesca, de Mário Gomes.

Contradizes fala de mundos paralelos, fantásticos que, como diz o nome, se contrapõem. Fala também de sonhos, devaneios, ilusões. Nada é somente bom ou inteiramente mau. É tão feio ou intensamente belo. É puramente forte ou simplesmente fraco. Tudo se reflete na emoção filosófica e psicológica do ser humano. Mostra como cada indivíduo encara a vida e o significado. O nariz de palhaço significa a alegria e a retração de cada um de nós e mostra a dualidade humana.

Em cartaz de 20 de julho até domingo, 24, às 15h e 18h no Teatro José de Alencar, Centro de Fortaleza. Vale conferir.

segunda-feira, 11 de julho de 2011

Falando francamente sobre consumo e consumismo

- por Vilmar Berna*
Somos, por natureza, seres consumidores e estamos no topo da cadeia alimentar. Logo, consumir é nosso destino natural, o problema são os excessos. Excesso de gente, que já está demais e que continua se multiplicando globalmente, embora se reduza em diversos países e regiões. Cada boca que nasce demanda por mais recursos naturais, que não são infinitos. Mas existe um excesso ainda pior, o da desigualdade social, que permite que uns poucos possam se apropriar de mais recursos que a maioria, ou seja, não adiantará muito diminuir o excesso de gente sem também diminuir a ganância.
O mundo atual se construiu em torno da falsa idéia de que o mercado será capaz de suprir as necessidades humanas, a ponto de aceitarmos a organização da sociedade em classes sociais em função do poder de consumo. Quem pode consumir muito pertence às classes altas, os remediados, à classe media, e os pobres, às classes baixas. A reboque do conceito do poder aquisitivo surge quase que naturalmente a falsa noção de que os que tem muito são mais importantes e com mais direitos do que os que não tem, e isso é absolutamente falso, pois somos todos iguais em dignidade e direitos. O mercado só consegue ser solução para os que têm dinheiro. Para os demais, é preciso políticas públicas.
O problema não está só no colapso ambiental, mas no colapso ético e moral que nos põe em risco enquanto humanidade e civilização muito antes de desaparecermos enquanto espécie. Se as pessoas aceitarem a idéia de uma sociedade que valoriza o dinheiro acima dos valores humanos, acumular riquezas pode se tornar um fim em si mesmo em vez de meio de vida, aliás, a própria idéia de vida pode se empobrecer a ponto de se resumir a produzir numa ponta e consumir na outra. Bem longe da idéia de viver em abundância e plenamente. Em vez de nos tornarmos mais solidários e cultivarmos bons valores e a cidadania, acabaremos valorizando muito mais o individualismo, o materialismo, a competição desmedida, a insensibilidade com os menos favorecidos.

E tudo isso baseado numa mentira, a de que se todos alcançarem os mesmos padrões de consumo dos mais ricos, será possível haver recursos naturais para todos. Fazer com que todos acreditem nesta mentira é conveniente para os que dominam e controlam os recursos e as riquezas, pois em vez de pedir por mudanças, as pessoas irão querer que tudo continue como está na esperança de que um dia chegará a sua vez e que só não chegou ainda por que não foram capazes ou merecedores o suficiente. Não é de se admirar que seja tão difícil ser sustentável e compatibilizar progresso e meio ambiente.
Mas não é impossível. Não só outro mundo é possível como já vemos por todos os lados os sinais dessa mudança. Por mais que alguns gostem de se iludir com falsas promessas de consumo, elas percebem os sinais de esgotamento do Planeta. Um novo mundo já esta nascendo do velho mundo, e o que assistimos são as dores do parto.

Precisamos é de coragem para persistir nos caminhos da mudança e valorizar escolhas diferentes das que trouxeram a humanidade à beira do colapso.

Não temos que comprar tudo o que vemos nas prateleiras. Não temos de acreditar em tudo o que se diz nas propagandas e devemos duvidar das informações tendenciosas, mentirosas e manipuladores. Não temos que seguir a moda e descartar um produto que ainda serve. Não precisamos de nenhum bem de consumo para amar e ser amados, ou para sermos felizes, ou para nos sentirmos importantes e reconhecidos socialmente.
Da mesma maneira que temos a liberdade de consumir o que nosso dinheiro ou crédito a perder de vista nos permite, também temos a liberdade de recusar o consumo desperdiçador de recursos. Podemos escolher consumir criteriosamente, apenas para atender a necessidades objetivas e realmente necessárias, preferir produtos socioambientalmente responsáveis, recicláveis, que fortaleçam as cadeias produtivas locais e a criatividade de nossos trabalhadores e artesãos. Podemos consumir de maneira planejada em vez de agir por impulso. Temos o poder de dizer sim e também de dizer não. Somos nós o poder do mercado.

Não foi o consumismo que nos fez assim. Ele apenas aproveitou a oportunidade por sermos assim e encheu as lojas e prateleiras e nossos sonhos e desejos de bugigangas e objetos que no final podem nem ser tão importantes para vivermos uma vida plena e feliz.

Os inimigos não estão fora de nós. Para resolvermos a crise socioambiental em que nos metemos, teremos de ter a coragem de admitir que somos uma parte importante do problema - e também da solução.

* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas - http://www.escritorvilmarberna.com.br/

segunda-feira, 27 de junho de 2011

A sétima arte e a ecologia

A Internet é a fonte para todas as buscas e o Dr. Google, o mestre que responde a todas as perguntas. O meu filho e, imagino, todos os estudantes, do primário ao universitário, já não realizam mais tarefas escolares sem a utilização dessa preciosa ferramenta. O perigo é não citar a fonte. Vários alunos meus na Faculdade caíram nessa esparrela, ao copiarem a resenha de um filme direto do Google. Perderam o ponto e tiveram que ir para a prova final.

Eu também faço as minhas buscas, mas sempre tenho cuidado de citar a fonte do saber, pois ninguém apenas ensina ou aprende; a vida é uma troca de saberes, esteja você na bancada do professor, na carteira do aluno, na chefia de um trabalho ou sendo subordinado, todos temos algo a aprender e a ensinar. Descobri no Blog Listas de 10 e repasso a dica de 10 filmes sobre ecologia. Para quem gosta de cinema, vale a pena ir ao http://listasde10.blogspot.com/2009/12/10-filmes-sobre-ecologia.html e conferir outras listas de 10.

Além do Dersu Uzala, cuja dica está ao lado, o Blog fala sobre:

Uma Verdade Inconveniente (o ex-vice presidente dos EUA, Al Gore, apresenta dados chocantes do aquecimento global, mostrando verdades e mitos e apontando saídas para salvar o planeta, enquanto é tempo. Gore sempre foi ecologista militante e este filme, fora algumas generalizações exageradas, tem importância na conscientização da população. o ex-vice - e, melhor dizendo, o filme - ganhou o prêmio Nobel da Paz por seu trabalho).

No Mundo de 2020 - Soylent Green (apesar do título nacional, o filme se passa em 2022, ufa! teremos 2 anos a mais! Charlton Heston é policial e investiga a morte de um magnata, produtor dos tabletes soylent green, o único alimento consumido pela população oprimida. Comida de verdade, só para os ricos. É chocante descobrir do que são feitos os tabletes. Lançado em 1973, foi encarado como ficção científica, hoje não parece tão improvável).

Wall-E (mais uma lista para esta animação. No passado, a população teve que abandonar o planeta, poluído demais e inabitável, deixando para trás um robozinho compactador de lixo. Séculos depois, a possibilidade de vida ressurge e a população pode reconstruir o planeta. Denúncia que não deve ser coadjuvante na compreensão do filme).

Síndrome da China (durante a gravação de matéria numa usina nuclear, a repórter e seu cinegrafista - Jane Fonda e Michael Douglas - presenciam um incidente, que causa apreensão geral. Mas a usina pressiona a rede para não publicar nada. Com a ajuda de um engenheiro - Jack Lemmon - eles descobrem que foi um fato gravíssimo, uma fissão que poderia penetrar a terra e "chegar à China", por isso o título. Filme premonitório dos graves acidentes ocorridos na União Soviética anos depois e em Fukushima, Japão, este ano de 2011!).


Silkwood, Retrato de uma Coragem (história real de trabalhadora de usina nuclear - Meryl Streep - que denuncia o ambiente insalubre e a insegurança deste tipo de instalação e acaba morta em circunstâncias mal-explicadas).

Erin Brockovich, uma Mulher de Talento (Julia Roberts é uma mãe solteira, que perde uma ação e exige ser empregada no escritório de seu advogado. Arquivando casos, ela descobre que uma grande fábrica tem poluído sistematicamente as águas da pequena cidade onde está instalada e isso tem ocasionado diversos casos de câncer na população. Baseado em história real).

Gomorra (entre as histórias deste filme-denúncia da máfia napolitana, está o lucrativo esquema de vender terras para despejar dejetos tóxicos, que transformam a área rural da cidade num ambiente perigoso. O lixo tóxico é um dos grandes problemas a se resolver, vide o caso dos containeres devolvidos para a Inglaterra).

Waterworld, o Segredo das Águas (num futuro não tão distante, o derretimento das camadas polares deixou o planeta sem terras sólidas, com os sobreviventes vivendo em ilhas artificiais e barcos. Kevin Costner é um ser anfíbio em busca do único ponto de terra firme que sobrou. Filme de Kevin Reynolds).

Corrida Silenciosa (Bruce Dern é um botânico que completa 3 anos a bordo de um cargueiro espacial, cuidando dos últimos espécimes botânicos que restaram no planeta Terra sob enormes domos. Quando recebe ordens de destruir o projeto e voltar para casa, ele sequestra a nave, mata os colegas tripulantes e inicia uma fuga solitária).

Recomendaria, ainda, o documentário, A 11ª Hora, de Leonardo DiCaprio, que mostra vários especialistas, em tom pedagógico, explicando como será possível evitar o desastre, algumas horas antes de que aconteça o pior. Urge uma total mudança de paradigma e de se adotar um modelo distinto de produção e consumo. O Planeta, como de outras vezes, com certeza sobreviverá, mas algumas espécies, como já ocorreu com os dinossauros, poderão se extinguir. Dessa vez poderá ser a espécie humana. Como diz o colunista: "Quem sobreviver, verá!"

sábado, 25 de junho de 2011

Sem motivos para amar?

(Recebi de Jane)


Pablo Massolar

Existe amor que dure a vida toda, que a tudo perdoe e não se desanime? Existe amor que se renova todos os dias porque tudo sofre, tudo espera, tudo crê?
Minha ingênua e sincera fé diz que sim, mas muitas vezes [às vezes a maioria das vezes] o meu coração/razão/vontade não encontra tal amor... ou, se ele está lá... se cansa de tentar procurá-lo e fazer reviver um sentimento assim. Não por falta de forças ou de coragem, mas por falta de motivos.
Onde encontrar motivos para amar, então? É possível encontrá-los quando já não queremos ou temos medo de nos machucarmos de novo?
Talvez as perguntas estejam sendo feitas da maneira errada, mas não sem verdade existencial... Todo mundo procura por estes motivos de vez em quando... Eu gostaria que minha resposta fosse tão simples quanto procurar no “Google”, mas eu não tenho boas notícias sobre encontrar motivos para amar, geralmente nunca se acha um bom motivo para se fazer isto.. É mais fácil não ter motivo para amar. Recusar-se a amar e trancafiar-se solitariamente dentro de uma torre alta ou mosteiro celibatário talvez seja a solução menos dolorosa.

Não amar evitaria comprometer o amor e a vida de mais algum inocente, quando, por exemplo, duas pessoas se amam e se deixam ser amadas, mas logo no início de suas caminhadas descobrem que é perigoso demais abrir o coração não só ao amor, mas às frustrações e confrontos que a vida a dois sempre causa. Ou, quem sabe, depois de muitos anos de caminhada juntos, descobrem que o motivo para se amar acabou faz tempo ou nunca, de fato, existiu. Donzelas amáveis e príncipes heróis encantados, cavalos brancos e o salvamento da princesa da torre são divertidos e empolgantes nas primeiras vezes, mas se torna enfadonho ter que se trancar na torre de novo para se proteger de uma dor ou de escalá-la perigosamente a fim de encontrar aventuras e motivações para amar todos os dias.
Não amar certamente anularia as dores e desilusões destes momentos, mas não é a decisão mais completa a ser tomada. Particularmente não creio que exista gente que foi feita para não amar; e também não creio em amor que vai e vem, que sobe e desce. Acredito no amor que fica, mesmo amassado, ferido, sozinho e nos faz ter esperança de ver hoje, no nosso agora dolorido, um horizonte amanhã, doce e ensolarado, talvez distante, mas alcançável de dias melhores, mais fáceis para se amar. Dificilmente encontra-se um bom motivo para amar persistentemente, mas quem disse que o verdadeiro amor precisa de motivos para ser amor?
O que me faz amar com vontade de amar não é o motivo, mas a consciência da existência inequívoca deste amor que está aqui dentro sem saber como. Não sei explicar, muito provavelmente ninguém conseguirá explicar, porque o amor é assim, mais forte que a morte, dolorosamente persistente, irrevogavelmente amante, paciente e benigno mesmo sem motivos. Já tentei entendê-lo, mas eu sei que só posso senti-lo.
O bom e verdadeiro amor não precisa saber dos motivos, jamais os procura ou avalia se é possível ou não amar, só sabe que sente amor e pronto. Vai lá de peito e vida abertos. Ele lança fora todo o medo, ainda que se tenha de matar um leão por dia e a gente vá deitar cansado todas as noites.
O amor sobrevive mesmo é de mãos dadas com a fé e a esperança. O abraço dado, o beijo paciente, a presença carinhosa certamente são expressões do amor, são veículos para nos sinalizar que ele existe e nos dar novo ânimo, mas quando não os encontramos não significa que não podemos amar ou que nos faltam motivos. Dificilmente entenderemos ou reconheceremos o verdadeiro amor somente nos atos e gestos físicos. O amor manifesta-se em dom/dádiva, no que é dado sem buscar interesses próprios, nem mesmo os interesses de atender às nossas carências afetivas são válidos para buscar amar. O amor manifesta-se sem motivo aparente, até sem condições, vem como um rolo compressor ou uma simples brisa, mas vem.
É possível negligenciar o amor, fazer de conta que não existe ou abafá-lo. É possível ficar tão duro ao amor que, mesmo ele existindo, não se queira mais senti-lo. O medo da dor pode causar tudo isso, mas podemos escolher viver por medo e não deixar o amor em paz ou por fé e esperança e fazê-lo brilhar como um sol.
Amar é a capacidade de doar-se sem querer nada em troca, talvez por isso o Senhor tenha dito que, no final dos tempos, o amor se esfriaria de quase todos. Uma sociedade que luta por poder e prestígio, que compra todas as coisas, admiração e domínio, que concorre traiçoeiramente pelos melhores lugares e pisa em cima de qualquer ameaça não entende nem aceita dar sem querer qualquer coisa como pagamento. Pessoas que se amam, mas se interessam mais por disputar quem ama mais do que simplesmente amar, gente que não sabe amar só por amar corre o sério risco de ver esfriar a sensibilidade ao amor.
Logo, não existe pagamento para quem ama de verdade. E quem assim ama, não aceita tais trocas e barganhas. Continua dando, amando, crendo e alimentando a esperança não do fim, mas do recomeço pleno e movido pela alegria de simplesmente amar todos os dias, tudo sofrendo, tudo crendo e tudo esperando, até mesmo o ressurgir da sensibilidade de amar.
O Deus que assim ama te abençoe rica, poderosa e sobrenaturalmente!

Rio de Janeiro, 4 de fevereiro de 2011

Nota importante: Jesus ensinou a dar de graça o que recebemos de graça. Se esta mensagem, de alguma forma, lhe fez bem, então provavelmente ela poderá fazer bem para outras pessoas que você conheça. Gostaria de sugerir, se não for constrangimento para você, que compartilhasse e encaminhasse este e-mail para o seu círculo de amigos e conhecidos. Fazendo isto você potencializa, em muito, o alcance da Palavra que já fez tanto bem aos nossos corações.

terça-feira, 21 de junho de 2011

A Miséria do Jornalismo



Como nunca antes na História deste País, toda vez que alguma coisa beneficia os mais pobres, é chamada de populismo. Existe populismo de direita, que agrada ao patronato e aos governantes? Sim, há. É o q faz o senhor Fábio Campos no O Povo de 9 de junho de 2011.
O amigo Fábio Campos diz que as "criancinhas" estão passando fome devido a greve dos professores. Populismo barato, senhor Campos. E quando não há greve, por que milhares de cearenses passam fome ou se alimentam mal?
Passam fome, Fábio Campos, porque o modelo econômico atual, o de Cid, que igual ao de Lúcio, que é igual ao de Ciro, que é igual ao de Tasso, é concentrador de renda, beneficia os mais ricos em detrimento dos pobres. Será que esse modelo é discutido pelos meios de comunicação com ênfase? Não, nao é. Não é bom irritar os donos do poder no Ceará.
Diz Fábio Campos que as crianças fora da escola geram problemas para as famílias. De forma emotiva, fala até de criancinhas remexendo lixo nas ruas. Quase fui às lágrimas nesse ponto. Poxa, Fábio Campos, você finalmente percebeu que há crianças nas ruas, comendo lixo, porque os professores estão em greve? Malditos sejam estes professores!
Percebe-se claramente que Fábio Campos desconhece por completo a realidade da escola pública. Fala do que não entende. Diz Fábio Campos que a maioria dos professores ganha o piso. Caro jornalista, procure se enteirar sobre a lei do Piso. A Lei do Piso não trata só de salário, não, meu caro- tem um bocado de coisa, que NENHUM governante do Ceará está cumprindo. Camarada Fábio, procure na internet a Lei do Piso. Há uma decisão do STF mandando cumpri-la. Cid e Luizianne não estão - ao contrário, enganam a opinião pública, pois estão alterando os Planos de Cargos e Carreira para burlar a referida Lei. Se há alguém cometendo ilegalidade aqui são os governantes, caro Fábio, não os professores.
O companheiro Fábio Campos diz ainda que os sindicatos não são legítimos, pois apenas alguns professores participam das assembleias e da greve em nome da categoria. Os professores, Fábio Campos, elegem os sindicalistas para representá-los. É a mesma coisa de um deputado ou um vereador. Na sua lógica, o Poder Legislativo seria ilegítimo também. Não é preciso, Fábio Campos, que toda a população esteja presente quando da votação de uma lei - os deputados não "representam o povo"? Um povo que cada vez mais se queda desamparado diante um Estado que não cumpre suas funções sociais e é usado para beneficiar grupelhos de empresários.

Atenciosamente
Airton de Farias
Professor e Historiador

sexta-feira, 20 de maio de 2011

Nem tanto a Chico nem a Francisco - por um código florestal possível

Por Vilmar Berna


Na negociação dos conflitos envolvendo a reforma do Código Florestal está faltando política, no sentido mais nobre do termo, e sinceridade. Que o Código precisa ser reformado, qualquer ambientalista ou ruralista sério, que conheça minimamente o assunto, sabe que sim.

Estamos num país democrático, onde nem a vontade de um lado nem a do outro irão prosperar só por que se tem a maioria ou por que gritam mais alto. Assim, é absolutamente legitimo que os lados interessados queiram puxar a brasa para suas sardinhas. Por outro lado, a sociedade tem o direito de ser radical, fundamentalista, exigir seus direitos, tanto para o lado da produção e do mercado quanto para o lado do meio ambiente e das políticas públicas e cidadania.

Dependendo da situação, dos interesses em jogo, é preciso negociar um consenso em torno do que é possível e suportável para a convivência entre os diferentes lados em disputa. E para isso existem os políticos. Caberia a eles atuarem como intermediadores nos conflitos, entretanto, geralmente estão comprometidos com um dos lados, descredenciando-se para o diálogo pela falta de isenção. E é o diálogo que permite o ajuste das percepções e a busca dos pontos convergentes e o esclarecimento sobre os divergentes, onde nem sempre o consenso é possível. Às vezes a tensão pode durar uma vida inteira, e ainda assim a vida continua.

Neste caso do Código Florestal, os políticos deveriam ter se disposto mais ao diálogo, até que se chegasse a um consenso em torno do possível, que possibilitasse ao país continuar produzindo, sem detonar com o meio ambiente e considerando as diferenças entre quem produz para alimentar automóveis e animais nos países ricos, de quem produz alimentos para o povo brasileiro. Às vezes, o entendimento pode se tornar muito difícil e até impossível se os votos dos eleitores, os privilégios e cargos, os interesses de negócio, ou partidários, dependerem da pessoa não ser convencida

O campo de batalha não é o plenário dos Parlamentos, mas é a opinião pública. É comum vermos parlamentares discursando para plenários vazios, apenas para serem publicados no Diário Oficial ou gravados pelas televisões legislativas. Entretanto, bem longe de serem neutras e imparciais como gostam de dizer, assim como os políticos escolhem o lado de seus eleitores e patrocinadores, a mídia escolhe o lado dos seus assinantes e anunciantes. A sinceridade, a verdade, às vezes, é o que menos importa quando há muito em jogo e o risco de perder for grande.

* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas - www.escritorvilmarberna.com.br

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Adolfo Pérez Esquivel escreve a Barack Obama

Estimado Barack, ao dirigir-te esta carta o faço fraternalmente para, ao mesmo tempo, expressar-te a preocupação e indignação de ver como a destruição e a morte semeada em vários países, em nome da “liberdade e da democracia”, duas palavras prostituídas e esvaziadas de conteúdo, termina justificando o assassinato e é festejada como se tratasse de um acontecimento desportivo.
Indignação pela atitude de setores da população dos Estados Unidos, de chefes de Estado europeus e de outros países que saíram a apoiar o assassinato de Bin Laden, ordenado por teu governo e tua complacência em nome de uma suposta justiça. Não procuraram detê-lo e julgá-lo pelos crimes supostamente cometidos, o que gera maior dúvida: o objetivo foi assassiná-lo.
Os mortos não falam e o medo do justiçado, que poderia dizer coisas inconvenientes para os EUA, resultou no assassinato e na tentativa de assegurar que “morto o cão, terminou a raiva”, sem levar em conta que não fazem outra coisa que incrementá-la.
Quando te outorgaram o Prêmio Nobel da Paz, do qual somos depositários, te enviei uma carta que dizia: “Barack, me surpreendeu muito que tenham te outorgado o Nobel da Paz, mas agora que o recebeu deve colocá-lo a serviço da paz entre os povos; tens toda a possibilidade de fazê-lo, de terminar as guerras e começar a reverter a situação que viveu teu país e o mundo”.
No entanto, ao invés disso, você incrementou o ódio e traiu os princípios assumidos na campanha eleitoral frente ao teu povo, como terminar com as guerras no Afeganistão e no Iraque e fechar as prisões em Guantánamo e Abu Graib no Iraque. Não fez nada disso. Pelo contrário, decidiu começar outra guerra contra a Líbia, apoiada pela OTAM e por uma vergonhosa resolução das Nações Unidas. Esse alto organismo, apequenado e sem pensamento próprio, perdeu o rumo e está submetido às veleidades e interesses das potências dominantes.
A base fundacional da ONU é a defesa e promoção da paz e da dignidade entre os povos. Seu preâmbulo diz: “Nós os povos do mundo...”, hoje ausentes deste alto organismo.
Quero recordar um místico e mestre que tem uma grande influência em minha vida, o monge trapense da Abadia de Getsemani, em Kentucky, Tomás Merton, que diz: “a maior necessidade de nosso tempo é limpar a enorme massa de lixo mental e emocional que entope nossas mentes e converte toda vida política e social em uma enfermidade de massas. Sem essa limpeza doméstica não podemos começar a ver. E se não vemos não podemos pensar”.
Você era muito jovem, Barack, durante a guerra do Vietnã e talvez não lembre a luta do povo norteamericano para opor-se à guerra. Os mortos, feridos e mutilados no Vietnã até o dia de hoje sofrem as consequências dessa guerra.
Tomás Merton dizia, frente a um carimbo do Correio que acabava de chegar, “The U.S. Army, key to Peace” (O Exército dos EUA, chave da paz): “Nenhum exército é chave da paz. Nenhuma nação tem a chave de nada que não seja a guerra. O poder não tem nada a ver com paz. Quanto mais os homens aumentam o poder militar, mais violam e destroem a paz”.Acompanhei e compartilhei com os veteranos da guerra do Vietnã, em particular Brian Wilson e seus companheiros que foram vítimas dessa guerra e de todas as guerras.
A vida tem esse não sei o quê do imprevisto e surpreendente fragrância e beleza que Deus nos deu para toda a humanidade e que devemos proteger para deixar às gerações futuras uma vida mais justa e fraterna, reestabelecendo o equilíbrio com a Mãe Terra.
Se não reagirmos para mudar a situação atual de soberba suicida que está arrastando os povos a abismos profundos onde morre a esperança, será difícil sair e ver a luz; a humanidade merece um destino melhor. Você sabe que a esperança é como o lótus que cresce no barro e floresce em todo seu esplendor mostrando sua beleza.
Leopoldo Marechal, esse grande escritor argentino, dizia que: “do labirinto, se sai por cima”.
E creio, Barack, que depois de seguir tua rota errando caminhos, te encontras em um labirinto sem poder encontrar a saída e te enterras cada vez mais na violência, na incerteza, devorado pelo poder da dominação, arrastado pelas grandes corporações, pelo complexo industrial militar, e acreditas ter todo o poder e que o mundo está aos pés dos EUA porque impõem a força das armas e invade países com total impunidade. É uma realidade dolorosa, mas também existe a resistência dos povos que não claudicam frente aos poderosos.
As atrocidades cometidas por teu país no mundo são tão grandes que dariam assunto para muita conversa. Isso é um desafio para os historiadores que deverão investigar e saber dos comportamentos, políticas, grandezas e mesquinharias que levaram os EUA á monocultura das mentes que não permite ver outras realidades.
A Bin Laden, suposto autor ideológico do ataque às torres gêmeas, o identificam como o Satã encarnado que aterrorizava o mundo e a propaganda do teu governo o apontava como “o eixo do mal”. Isso serviu de pretexto para declarar as guerras desejadas que o complexo industrial militar necessitava para vender seus produtos de morte.
Tu sabes que investigadores do trágico 11 de setembro assinalam que o atentado teve muito de “auto golpe”, como o avião contra o Pentágono e o esvaziamento prévios de escritórios das torres; atentado que deu motivo para desatar a guerra contra o Iraque e o Afeganistão, argumentando com a mentira e a soberba do poder que estão fazendo isso para salvar o povo, em nome da “liberdade e defesa da democracia”, com o cinismo de dizer que a morte de mulheres e crianças são “danos colaterais”. Vivi isso no Iraque, em Bagdá, com os bombardeios na cidade, no hospital pediátrico e no refúgio de crianças que foram vítimas desses “danos colaterais”.
A palavra é esvaziada de valores e conteúdo, razão pela qual chamas o assassinato de “morte” e que, por fim, os EUA “mataram” Bin Laden. Não trato de justificá-lo sob nenhum conceito, sou contra todas as formas de terrorismo, desde a praticada por esses grupos armados até o terrorismo de Estado que o teu país exerce em diversas partes do mundo apoiando ditadores, impondo bases militares e intervenção armada, exercendo a violência para manter-se pelo terror no eixo do poder mundial. Há um só eixo do mal? Como o chamarias?
Será que é por esse motivo que o povo dos EUA vive com tanto medo de represálias daqueles que chamam de “eixo do mal”? É simplismo e hipocrisia querer justificar o injustificável.
A Paz é uma dinâmica de vida nas relações entre as pessoas e os povos; é um desafio à consciência da humanidade, seu caminho é trabalhoso, cotidiano e portador de esperança, onde os povos são construtores de sua própria vida e de sua própria história. A Paz não é dada de presente, ela se constrói e isso é o que te falta meu caro, coragem para assumir a responsabilidade histórica com teu povo e a humanidade.
Não podes viver no labirinto do medo e da dominação daqueles que governam os EUA, desconhecendo os tratados internacionais, os pactos e protocolos, de governos que assinam, mas não ratificam nada e não cumprem nenhum dos acordos, mas pretendem falar em nome da liberdade e do direito. Como podes falar de Paz se não queres assumir nenhum compromisso, a não ser com os interesses de teu país?
Como podes falar da liberdade quando tem na prisão pessoas inocentes em Guantánamo, nos EUA e nas prisões do Iraque, como a de Abu Graib e do Afeganistão?
Como podes falar de direitos humanos e da dignidade dos povos quando violas ambos permanentemente e bloqueias quem não compartilha tua ideologia, obrigando-o a suportar teus abusos?
Como podes enviar forças militares ao Haiti, depois do terremoto devastador, e não ajuda humanitária a esse povo sofrido?
Como podes falar de liberdade quando massacras povos no Oriente Médio e propagas guerras e torturas, em conflitos intermináveis que sangram palestinos e israelenses?
Barack, olhas para cima de teu labirinto e poderás encontrar a estrela para te guiar, ainda que saibas que nunca poderás alcançá-la, como bem diz Eduardo Galeano. Busca a coerência entre o que dizes e fazes, essa é a única forma de não perder o rumo. É um desafio da vida.
O Nobel da Paz é um instrumento ao serviço dos povos, nunca para a vaidade pessoal.
Te desejo muita força e esperança e esperamos que tenhas a coragem de corrigir o caminho e encontrar a sabedoria da Paz.
Adolfo Pérez Esquivel, Nobel da Paz 1980.
Buenos Aires, 5 de maio de 2011

domingo, 24 de abril de 2011

A VIA SACRA II

O Nordeste está se consagrando como ponto turístico, durante o período da Páscoa, pelas encenações dos últimos momentos da passagem de Cristo pelo Planeta Terra. O ponto alto dessas mega produções teatrais está em Nova Jerusalém, Pernambuco. Aqui no Ceará, temos como ponto alto dessa celebração, as apresentações em Pacatuba e, agora, Paracuru. Em Fortaleza, além das encenações na Casa da Comédia, na Praça Verde do Centro Cultural Dragão do Mar e outras salas de Teatro, destaco a realizada este ano, pela Paróquia de Fátima, ao redor da Praça Pio IX, em frenta à Igreja, na Avenida 13 de Maio.

A encenação teve como base a Via Sacra apresentada no folheto da Campanha da Fraternidade 2011, distribuído pela CNBB-CE, Regional NE 1. Dando continuidade ao relato da atividade, sigo o acontecido a partir da sétima estação.

Esgotado, apesar da ajuda do Cirineu e de ter tido seu rosto enxugado por Verônica, Jesus cai por terra pela segunda vez. "Também nas cidades e nos campos os problemas ambientais se avolumam e os erros se repetem com a deslumbrante e frágil beleza da vida, sendo destruída em nome do crescimento econômico: prédios altíssimos à beira mar impedem a criculação do vento, a construção de enormes condomínios, destruindo as plantas nativas, a criação de caranguejos em cativeiro com a eliminação das regiões de mangues, a monocultura e o uso indevido de agrotóxicos."

Jesus, apesar do sofrimento, tem ainda força e alento para consolar as melheres que choram pelo caminho. E nós? "O que diremos a nossos filhos e netos quando nos cobrarem a continuidade da vida e a beleza da criação? Que planeta ficará para as futuras gerações? Que marcas das nossas ações e atitudes deixaremos impressas na história desse planeta?" Pense e repense suas atitudes, ainda há tempo de redimensionar a sua pegada ecológica.

Nova queda de Jesus. É o limite das forças humanas. "A terra também está esgotada. Mesmo agredida, busca renovar-se. Nesse tempo de impasse, de aquecimento global, a temperatura futura do planeta vai depender de nosso modo de produzir, de consumir, enfim, do modo como nos relacionamos com a terra." Urge uma total mudança de paradigma de quem produz e de quem consome para se alcançar a paz e a preservação da natureza.

Nós somos corresponsáveis por tudo que herdamos. Precisamos nos desvestirmos das tentações da glória e do poder, do orgulho e do preconceito para melhor defender a natureza e bem fazer o usufruto dos dons da criação, com amor e responsabilidade.

Ao maltratar o planeta, damos mau exemplo para as nossas gerações e exercemos o papel de torturadores, tal qual aqueles que pregaram Jesus na cruz. "É urgente fortalecer a ação educativa e evangelizadora, objetivando a construção de uma sociedade que cultive uma cultura de paz, de justiça, de consciência ambiental, frente à gravidade e à urgência dos problemas provocados pelo aquecimento global. O peso da cruz de Jesus está nas mãos marcadas dos que vagam sem destino e sem moradia nas grandes cidades, desterrados do seu chão e do seu lugar."

A morte representa apenas uma passagem para a verdadeira vida. Hoje, "a sociedade perdeu orespeito à vida e fere de morte o meio ambiente." É preciso compreender que por aqui estamos apenas para cumprir uma missão.

"Uma das principais estratégias de dominação de nossa sociedade é fazer com que não olhemos para nós mesmos com realismo. O poder dominante na sociedade sempre faz com que pensemos que nossos desejos e necessidades sejam aqueles proclamados pelos meios de comunicação e repetidos pela maioria. Precisamos enfrentar com coragem e determinação o que está de verdade acontecendo no planeta terra. A sociedade tecnológica oferece-nos uma falsa segurança, que poderá conduzir-nos rapidamente ao caos", admoesta o texto da décima terceira estação, quando Jesus é retirado da cruz.

Toda a criação espera ser libertada dos males da corrupção. Não apenas daquela praticada pelos políticos e pelas grandes corporações, mas também dos pequenos malefícios que fazemos no dia a dia, ao jogar um papel no chão, furar uma fila ou deixar de praticar uma boa ação.

Ter disponibilidade de servir a quem de nós necessita e zelar pela obra da criação, ajudando, assim, a preservar o planeta para o usufruto também das futuras gerações é cumprir ao extremo a nossa obrigação.

(Apoiado na Via Sacra da Campanha da Fraternidade 2011, Regional NE 1, CNBB)

A VIA SACRA I

Qual é a relação dos passos seguidos por Jesus Cristo em seus últimos momentos de sua passagem pela sua vida no Planeta Terra? A Campanha da Fraternidade de 2011 faz uma comparação entre as dores sofridas por Jesus no Calvário com as dores da Natureza, que, de certa forma, segundo ela, geme em dor profunda, ferida pelas atitudes nossas contribuindo como o nosso consumismo com a poluição e degradação.

A Paróquia de Fátima, na 13 de Maio, em Fortaleza, Ceará, realizou na manhã da sexta-feira da Paixão, uma interessante via sacra, na qual chamou a nossa atenção para os cuidados que devemos ter conosco e com o meio ambiente, do qual também fazemos parte todos nós. Durante o trajeto, encenado, estação por estação, alguns voluntários foram recolhendo o lixo espalhado pelo caminho ao redor da praça em frente à Igreja.

Na primeira estação há um paralelo entre a condenação de Jesus à morte e a mesma sentença a que estão submetidas as espécies animais e botânicas em extinção, pela ganância e a sede de poder e de ter da raça humana. "As florestas estão ameaçadas e com elas muitas espécies e muitas formas de vida", diz um trecho.

Comparado ao peso da cruz carregada por Jesus, no trajeto para o Calvário, o Planeta vê ferida a obra da criação. "A temperatura aumenta, a poluição cresce, o clima não tem estabilidade e se multiplicam as enchentes, as secas, as tempestades, as ameaças de desertificação, o degelo e o consequente aumento do nível das águas nos oceanos", reza a segunda estação.

A queda de jesus pelo caminho, sob o peso da cruz, equivale ao momento em que percebemos que o meio ambiente está por terra, devido ao enfraquecimento causado pelas feridas causadas pelo atual sistema de produção e de consumo, que exaure as reservas naturais do Planeta. Somente as "atitudes solidárias de quem valoriza a obra da criação e está disposto a abrir mão do consumismo, poderá evitar o desperdício e proporcionar o desenvolvimento sustentável", está descrito na terceira estação.

Que mãe não sofre ao ver o flagelo de seu filho ou de sua filha? Maria percebeu com grande dor e resignação toda a intensidade desse sofrimento. Assim é o "sofrimento da mãe natureza ao ver as suas criaturas (todas, humanas ou não), frutos do poder criador de Deus, sendo feridas da morte, sem ter para quem apelar", é o pedido desta quarta estação para que as autoridades adotem políticas públicas preventivas e de superação de situações que colocam a natureza em risco.

A quinta estação faz um chamamento para a participação solidária de todos para minizar os efeitos nocivos da nossa passagem pelo Planeta Terra. "Todos precisamos nos sentir corresponsáveis. Devemos começar na nossa própria casa, vivendo com simplicidade, revendo bens e recursos, tendo por base as necessidades reais, apoiando especialmente os mais fracos e empobrecidos".

Tal qual Verônica enxugou o rosto de Jesus, também nós devemos "saber ajudar e cuidar da terra desfigurada pela poluição, pelas queimadas, pelo lixo espalhado por toda a parte, pela ganância e ambição que envenena as águas, resseca e desertifica o planeta, impõe grande sofgrimento aos mais pobres."

A partir dessa estação fui atrás de um saco de 50 litros e enchi-o de lixo espalhado pela praça até chegar ao final da via sacra. É triste constatar quão pequeno é o respeito ao meio ambiente e a nós mesmos.

(Baseado no livro da Campanha da Fraternidade 2011 - Regional NE1 CNBB-CE).

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Nós e o Planeta Terra

Por Vilmar S. D. Berna
 
O que nos diferencia dos outros seres da natureza não é a inteligência ou a capacidade de ter emoções, de sentir prazer, dor, medo, de nos comunicar ou criar ferramentas, pois isso várias espécies também fazem em diferentes graus de eficiência. O que nos torna únicos é a consciência de nossa individualidade e, entre as conseqüências disso, está o sentimento de separação do mundo, dos outros, da natureza, pois se somos nós não podemos ser o outro.
 
Ter consciência nos fez também ter subjetividade, um mundo interior, onde construímos e reconstruímos nossa visão de mundo, do outro, de nós próprios. Assim, embora a realidade seja igual para todos, a maneira de perceber, de encarar e interpretar a realidade muda de pessoa para pessoa.
 
Isso nos obrigou a estabelecer parâmetros do que é aceitável ou não pela sociedade, pois apesar de separados dos outros e das coisas, enquanto seres sociais estamos ligados uns aos outros e tão dependentes quanto todos da natureza. E natureza, aqui, não significa uma visão idealizada de um ser com propósito e intencionalidade, mas o resultado de milhares de anos de evolução sob determinadas condições de clima e calor, distanciamento do sol, inclinação do eixo da Terra, etc. Revela-se então uma outra característica humana que é a tendência de encontrar significado para as questões que não consegue compreender, como se fôssemos incapazes de viver num mundo que não faca sentido. Os gregos antigos, por exemplo, deram à natureza o status de deusa, à qual atribuíram o nome Gaia.
 
A consciência também nos tornou livres para escolher o que achamos ser melhor para nós, para o mundo, e o livre arbítrio trouxe consigo culpas e responsabilidades, angústias existenciais sobre qual o melhor caminho a tomar. Ao nos vermos livres da natureza, não mais tendo de obedecer aos instintos e compreendendo cientificamente os seus fenômenos, criamos a ilusão de sermos superiores às demais espécies e à própria natureza. Na tarefa de nos tornar humanos, tivemos e ainda temos de enfrentar a natureza, que age e influencia em nossas escolhas através dos instintos - tão ativos em nós quanto em todas as demais espécies, determinando quando temos de lutar ou fugir, comer e parar de comer, por exemplo, e ainda assim, podemos escolher nos manter em situação de estresse sem tentar fugir e comer sem fome. Este enfrentamento resultou no afastamento maior ainda da natureza. Seguir aos instintos passou a ser um atributo dos animais, algo pouco refinado, embrutecido, motivo de vergonha para os humanos.
 
Criamos a ilusão de sermos os donos da natureza e dividimos o planeta em territórios, e loteamos cada espaço útil, explorando sem culpas, a ponto de já termos passado do ponto de regeneração natural de diversos ecossistemas. As demais espécies foram destituídas de seus direitos, condicionadas à sua utilidade para nós. Se não for útil, então não tem razão de existir.
 
Em nossa idealização do mundo, nos demos o papel transcendental atribuído aos deuses, pois se somos superiores à natureza, tínhamos de encontrar um significado para nós fora da natureza.
 
Quando confrontados com as evidências de nossos atos, alguns de nós preferem buscar desculpas para continuar agindo da mesma forma. Para alguns, a idéia de que a natureza possa sofrer um colapso parece um exagero, pois nada do que façamos irá destruir a natureza, embora possamos nos destruir facilmente. Para outros, a Ciência irá nos salvar descobrindo coisas, inventando novas tecnologias que serão capazes de reciclar nossos restos e descobrir novas fontes de recursos. Outros acham inútil lutar, pois o fim está próximo, conforme revelado em algum texto sagrado e, naturalmente, apenas os que acreditarem nisso serão salvos.
 
Nossa separação da natureza não aconteceu apenas do ponto de vista psicológico, ético, moral ou espiritual, mas também do ponto de vista físico. Reconstruímos o meio ambiente para adaptá-lo às nossas necessidades onde antes existiam ecossistemas. Construímos cidades às vezes confortáveis, bonitas, às vezes não, de concreto, aço e asfalto e com muita rapidez esquecemos que apesar de muito importantes não são as cidades que produzem a água, o oxigênio, a biodiversidade da qual dependemos para produzir alimentos, medicamentos e obter recursos.
 
O meio ambiente deixou de ser tudo o que existe, para ser o que existe em torno de nos, como se fosse uma espécie de armazém de recursos inesgotáveis para atender às nossas necessidades. Necessidades que deixaram de ser apenas físicas, como comer, morar, vestir, mas também espirituais, como a de demonstrar afeto através da troca de presentes materiais, de obter reconhecimento social e se sentir pertencendo a uma sociedade através da exibição de objetos de consumo. O resultado foi uma sociedade que não só superexplora a natureza, mas que também superexplora seus próprios semelhantes, pois para que uns possam acumular demais outros precisam acumular de menos.
 
E por que tudo isso? Enquanto as demais espécies submetem-se aos seus destinos, nos angustiamos na busca de respostas, e quando estas não existem, criamos nós próprios utopias e visões de mundo que dê sentido a este mundo reinventado. Qual é o propósito de nossa espécie? Para que estamos aqui? De onde viemos? Para onde vamos? Por que sofremos com terremotos, vulcões, tsunamis, secas, enchentes, furacões, fome, AIDS, epidemias, etc.? Cometemos algum pecado pelo qual estamos sendo punidos agora? Teremos tempo de evitar um colapso ambiental global? Continuaremos existindo enquanto espécie ou já estamos em declínio rumo à extinção? Alguns se satisfazem com a idéia de deuses e diabos voluntariosos nos manipulando, outros se amparam na idéia de que somos filhos e filhas de seres de outros planetas que nos visitaram no passado e que alguns acreditam que ainda estão entre nós. Outros acreditam que surgimos do caos e do acaso, não importa, ninguém saberá a verdade final mesmo e, neste particular, qualquer idéia serve, desde que tenha significado e nos permita viver em paz conosco mesmo e com os outros, que nos anime a querer serem pessoas melhores e lutar para termos um mundo melhor.
 
O fato concreto é que nenhum de nós escapará vivo do Planeta que, ao contrário de nos pertencer, nós é que pertencemos a ele e o compartilhamos com todas as outras espécies. Ou nos reinventamos, imaginando outro jeito de estar no Planeta, ou corremos risco de desaparecer antes do tempo. Uma coisa é certa, o Planeta começou sem nós, e acabará sem nós. A questão que importa não é quando acontecerá o fim, mas o que posso fazer, aqui e agora, enquanto tenho vida e saúde para abreviar este fim e aproveitar este presente que todos os dias o Planeta nos proporciona, o de viver. E a vida é bem curta.
 
* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio
Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br  ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas - www.escritorvilmarberna.com.br

segunda-feira, 21 de março de 2011

Ilusões e realidade para a sustentabilidade

Por Vilmar S. D. Berna*

 
Precisamos sonhar com a possibilidade de um futuro, de um mundo melhor, pois os sonhos nos motivam para a ação, nos animam a romper com a inércia e a suportar a dor do esforço no rumo a outro jeito de ser e estar no Planeta e na sociedade, ambientalmente sustentável e socialmente mais justo. Os sonhos nos dão energia para as boas práticas e a confiança de que é possível.
 
Entretanto, entre declarações de políticas e promessas ambientais e a realidade, existe um vazio proporcionalmente tão grande e profundo quanto nossa capacidade de sonhar. Um vazio que pode e precisa ser preenchido com gestão, planejamento, investimento de tempo e dinheiro. Entre os oito e o oitenta, em gestão ambiental, será preciso passar por um monte de outros números. Sonhar é relativamente fácil, difícil é colocar em prática. Então, é natural que entre a intenção e o gesto exista um tempo de maturação para acontecer. O importante é demonstrar o movimento, saber valorizar e divulgar os bons resultados, mesmos pequenos, para renovar o incentivo e estimular o aumento na velocidade das mudanças, e também refletir sobre os maus resultados, pois pode ser o caso de precisar rever metas e objetivos. Se os sonhos forem pouco ambiciosos - apenas para produzir uma pequena mudança -, este vazio será menor e o esforço requerido para preenchê-lo de realizações também. Entretanto, os resultados também poderão ser pequenos e podem nem valer à pena, podendo produzir mais desgastes que levar a alguma mudança. E não adianta fazer pouco e tentar compensar depois no marketing, por que o tiro pode sair pela culatra, e uma reputação manchada é de difícil recuperação depois. Se for grande demais, por mais que se persiga o sonho, este sempre parecerá inatingível. Ainda assim poderá valer a pena para nos manter seguindo em frente, apesar das adversidades. Muitas das grandes mudanças na Humanidade começaram de um pequeno desvio, como o empreendedorismo dos tropeiros arriscando-se no comércio ambulante entre as cidades da Idade Média e que resultaram no mercantilismo e no fim da estrutura feudal de poder.
 
Alguns sonhos podem ser sonhados sozinhos, e ainda assim serem possíveis de se realizar, como serem consumidores mais responsáveis, ou menos gananciosos e mais solidários. Outros precisam ser sonhados juntos para se tornarem realidade, como a construção de uma sociedade sustentável, requerendo de nós o esforço de sensibilizar e convencer aos demais. Outros sonhos podem demorar gerações para acontecer, contando com o esforço e o engajamento de gente que ainda nem nasceu. As catedrais da Idade Média, por exemplo, levavam gerações para serem concluídas, e ainda assim pôde ser realizada por pessoas que sabiam que se não fizessem bem a sua parte, a geração que viria depois teria de começar do zero. Um pouco como a mudança para a sustentabilidade. Nossa geração começou agora uma obra cujos frutos talvez só venham a ser colhidos em quantidade pelos que virão depois. Melhor isso que deixar como herança um Planeta esgotado, poluído e incapaz de sustentar a vida como a conhecemos.
 
Alguns se dão por satisfeitos apenas em reclamar imaginando que o mundo melhor que desejam deve começar no outro. Outros preferem se iludir com falsas promessas ou soluções milagrosas, em vez de encarar a realidade de que somos a raiz dos problemas do mundo e também podemos ser a solução, dependendo das escolhas que fizermos. Precisamos ajustar nossas percepções para saber aproveitar as oportunidades como elas se oferecem e não como gostaríamos que aparecessem. E saber lidar com as frustrações e com a dor do esforço e da incapacidade de alcançar certos objetivos, por que talvez ainda não seja a hora ou ainda não estejamos prontos.
 
Para os que acreditam em divindades, é hora de pedir que nos acolham em nossas dores e angústias e nos salvem de nós mesmos. Entretanto, tal conforto espiritual não chega para todos. O que temos nas mãos é a possibilidade aqui e agora de arregaçar as mangas e trabalhar pelas mudanças, a partir de nós próprios, assumindo que somos os resultados de nossas escolhas, e que o nosso sucesso ou fracasso resultarão de nossos sonhos e da capacidade realizá-los.
 
* Vilmar é escritor, com mais de 20 livros publicados. Em 1996, fundou a REBIA – Rede Brasileira de Informação Ambiental e edita a Revista do Meio Ambiente e o Portal do Meio Ambiente. Em 1996, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente – www.escritorvilmarberna.com.br e www.portaldomeioambiente.org.br

terça-feira, 1 de março de 2011

Cabo Verde: uma nação bilíngue

A língua é, seguramente, um dos elementos fundamentadores e estruturantes da identidade cabo-verdiana. Por isso, não se aborda este tema sem que se dê àquela um destaque especial. Cabo Verde tem a feliz ventura de possuir uma língua materna – o crioulo – falada por todo o seu povo, quer dentro, quer fora das ilhas. O crioulo é o principal elo de ligação e o melhor instrumento identidário do povo cabo-verdiano. Apesar das diferenças dialectais que possam existir entre as diversas variantes, de ilha para ilha, em geral, entendem-se em crioulo, seja qual for a ilha de que seja oriundo o falante ou o seu interlocutor. Em qualquer parte do mundo em que se encontre, o caboverdiano pode falar a língua do país em que reside ou que o acolhe, mas, seguramente, fala a sua língua materna.

Enfim! O que une, indelevelmente, os cabo-verdianos (de Angola, de Cabo Verde, dos Estados Unidos da América, de França, da Guiné Bissau, da Holanda, da Itália, do Luxemburgo, de Moçambique, de Portugal, do Senegal, de S. Tomé e Príncipe, etc., etc.) é, antes de mais e sobretudo, a sua língua comum, a sua língua materna – o crioulo. Não há dúvidas, pois, que o crioulo está na essência da identidade do cabo-verdiano. Por isso mesmo, não se compreendem algumas interrogações ou, mesmo, alguma resistência que se opõe ao reconhecimento ou assumpção do crioulo como uma das línguas oficiais de Cabo Verde (ALMADA, 2006, p. 17).

O ethos cultural caboverdiano e a globalização econômica, política e cultural faz de Cabo Verde uma nação bilíngüe. No aeroporto de Fortaleza, por exemplo, nas chegadas e partidas dos vôos da Companhia de Transportes Aéreos Cabo Verde (TACV), é comum escutar cidadãos e cidadãs expressando-se com garbo no idioma crioulo. Muitos brasileiros ficam curiosos para saber que língua eles estão falando. É o idioma nacional. É isso que lhes dá uma identidade enquanto povo, enquanto nação.

Na verdade, se o rio é a certeza de que existe o lugar geográfico, como bem frisa Manoel Fernandes de Sousa Neto (1996), parafraseando Adélia Prado, podemos afirmar que a língua é a garantia de que um povo existe enquanto nação. No País Basco, por exemplo, povo que sobresiste, apesar de estar inserido em territórios geográficos da Espanha e da França, é considerado nacional Euskaldun aquele que fala a língua basca, como bem o diz a própria acepção da palavra. Podem, assim, todos os caboverdianos, ser considerados uma grande nação, pois estão consagrados pelo uso comum de um língua que a todos une como Pátria, Mátria, Frátria (GOMES, 2008, p. 43).

Embora não esteja ainda oficializado, do ponto de vista formal e gramatical, o crioulo é uma língua de tradição oral e já é ensinada até nos Estados Unidos, especialmente na região da Nova Inglaterra, onde vivem milhares de caboverdianos (2006, p. 19). No entanto, o alfabeto unificado para a escrita do crioulo (ALUPEC) já se encontra dotado de um alfabeto próprio com gramáticas, dicionários e livros de lição publicados. Pode-se dizer, portanto, que em Cabo Verde existem duas línguas oficiais: o Português e o Crioulo. O bilingüismo em Cabo Verde ainda está, é verdade, em processo de construção, mas, por sua natureza e circunstância histórica de colonização, o caboverdiano pode ser considerado desde já um povo bilíngüe.

O crioulo, a língua materna, une angolanos, caboverdianos, guineenses, moçambicanos, senegaleses, tomeenses e nacionais destes países nascidos além-mar e os transformam em povos de uma só nação. O português é a língua oficial, fruto da colonização por Portugal. Obviamente que em algumas nações e também para os que nasceram e se criaram em países de fala não portuguesa o bilingüismo pode ser crioulo-francês, crioulo-inglês ou crioulo-holandês. “O crioulo está de tal forma entranhado na identidade cabo-verdiana, que não é possível pensar o cabo-verdiano sem a sua língua materna, como ele próprio não se pensa e não existe sem a sua língua” (2006, p. 25).

Apesar da colonização por Portugal, são muitas as razões históricas e culturais que aproximam Cabo Verde dos Estados Unidos da América e do Brasil, até mesmo mais que da Europa. No país norteamericano vivem tantos caboverdianos quanto em Cabo Verde, podendo-se viver culturalmente em certas regiões, notadamente na Nova Inglaterra, em muitos aspectos como se estivesse vivendo em Cabo Verde. Já com o Brasil, além da proximidade geográfica, há laços históricos, culturais e de civilização que ligam os dois povos.

“Os cabo-verdianos sentem-se tão próximos, culturalmente e por características psicossomáticas, dos brasileiros, que os nossos poetas e cantores já chamaram Cabo Verde de “Brasilinho”, assim como hoje, já há brasileiros dizendo que o “Brasil é um grande Cabo Verde” (2006, p. 39). Do ponto de vista da economia, esta proximidade com o Brasil atrai muitos empresários, notadamente do ramo comercial, de Cabo Verde para o Brasil. Neste aspecto, o Serviço de Apoio às Pequenas e Médias Empresas do Ceará (Sebrae) mantém um serviço de apoio e cooperação com Cabo Verde.