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sábado, 22 de setembro de 2012

Dez razões para levar a sério o Dia Mundial sem Carro



Qua, 19/09/12

No próximo sábado (22) celebra-se mais uma edição do Dia Mundial sem Carro. Veja aqui algumas razões que emprestam sentido a essa data.
1) Tamanho é documento
A multiplicação indiscriminada da frota automobilística já é um dos maiores problemas da Humanidade. Na maioria das capitais brasileiras (e mundiais) já não há a chamada “hora do rush”, porque sucessivos congestionamentos em diferentes horas do dia colapsam o trânsito progressivamente. A construção de mais pontes, viadutos, túneis ou vias expressas são paliativos, não resolvem efetivamente o problema, como muitas vezes, indiretamente, contribuem para estimular o uso do carro. A mobilidade urbana se tornou questão central do debate sobre qualidade de vida nas cidades.
2) É bom para a economia?
Estima-se que o setor automotivo responda por aproximadamente 20% do PIB brasileiro. Entre 2009 e 2011, as montadoras de veículos informam ter recolhido em impostos diretos R$ 137 bilhões. Se as montadoras de todo o planeta fossem um país, este seria um dos dez mais ricos do mundo. É bom lembrar que junto às linhas de montagem, orbitam os setores de autopeças e combustíveis, além do mercado de seguros e outros agregados. Se não há dúvida de que os automóveis fazem girar a roda da economia, também é certo que o impacto do crescimento da frota nas cidades tem inspirado outro gênero de contabilidade preocupante.

Segundo o secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho de São Paulo, Marcos Cintra, os prejuízos causados pelos engarrafamentos crescentes na cidade somam R$ 52,8 bilhões por ano, o equivalente a mais de 10% do PIB municipal. Um crescimento de 60% nos últimos quatro anos. Se outras cidades incomodadas com os engarrafamentos realizarem cálculos semelhantes, os resultados deverão ser surpreendentes.
Congestionamento pesado em via de São Paulo (Letícia Macedo-G1)
3) A questão do IPI
Sabe-se que o governo federal reduz periodicamente o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) que incide sobre automóveis, toda vez que o setor reclama de queda nas vendas e risco de desemprego. Essa é uma questão polêmica,  uma vez que a medida não vem acompanhada de contrapartidas sociais e ambientais que pudessem justificar tamanha renúncia fiscal. Nos Estados Unidos, o governo Obama socorreu as montadoras com pesadas contrapartidas (manutenção do emprego, maior eficiência e inovação tecnológica na direção de uma nova geração de motores mais econômicos). É lamentável que o dinheiro arrecadado pelo governo com a venda de carros não esteja sendo devidamente investido em transporte público de massa eficiente, barato e rápido. Não custa checar também o quanto as montadoras de veículos instaladas no Brasil transferem em divisas para as respectivas matrizes fora do país.
4) O “carrocentrismo”
No livro “Muito Além da Economia Verde (Ed.Abril) o professor titular do Departamento de Economia da FEA e do Instituto de Economia Internacional da USP, Ricardo Abramovay, afirma que o automóvel é “a unidade entre duas eras em extinção: a do petróleo e a do ferro. Pior: a inovação que domina o setor até hoje consiste mais em aumentar a potência, a velocidade e o peso dos carros do que em reduzir seu consumo de combustíveis (…) O mais grave é que ali onde houve inovações nessa indústria ela se voltou mais a preencher desejos privados por carros maiores, mais rápidos e de melhor desempenho do que a reais interesses públicos por veículos mais econômicos e de uso partilhado. Foi só em 2007 que, pela primeira vez em 32 anos (houve um precedente logo após a primeira crise do petróleo), a lei americana impôs metas de economia de combustíveis aos veículos fabricados pela indústria automobilística.
5) Lata de sardinha
O sucateamento do transporte público no Brasil –- responsabilidade dos governos –- determina um dos maiores fatores de estresse para milhões de brasileiros. Só quem é passageiro e já passou pelo aperto de um trem, de um metrô, de um ônibus ou de uma barca (experiência desconhecida pela maioria dos governantes, alguns dos quais muito mal acostumados com os batedores que escoltam seus carros oficiais ou vivem refugiados no vai-e-vem de helicópteros barulhentos) sabe o tamanho do desgaste físico e emocional que isso representa.

Em boa parte dos casos, quem sofre a agonia diária de chegar ao trabalho exaurido, com a roupa amarrotada e cansado pelas horas de aperto no transporte coletivo, sonha em ter um carro para se livrar desse pesadelo. O raciocínio é mais ou menos o seguinte: melhor sofrer nos engarrafamentos em seu próprio carro, ouvindo um agradável “sonzinho” no ar -condicionado, do que seguir apertado por aí. O que parece ser lógico e justo no campo individual constitui um enorme problema na esfera coletiva. A incompetência dos governos em assegurar o direito constitucional de um transporte público decente agrava a perda da mobilidade urbana numa escala sem precedentes.
6) Uma questão de saúde pública
Os dados são do dr. Paulo Saldiva, pneumologista da USP: quem mora em São Paulo, cidade com o maior número de carros do Brasil, onde a maior fonte de poluição vem justamente do escapamento dos veículos, está vivendo em média dois anos a menos em função de problemas causados ou agravados pela inalação de poluentes presentes na fumaça. São aproximadamente quatro mil óbitos por ano.
7) O maior dos sonhos de consumo
Concebido inicialmente apenas como um meio de transporte, o carro foi ganhando, ao longo de sua história – talvez mais do que qualquer outra invenção moderna – uma representação simbólica que explica o fascínio que exerce sobre as pessoas em todo o mundo há muitas décadas. A  publicidade soube trabalhar bem esse sentimento, transformando no imaginário coletivo os carros em metáforas de nossas existências, onde os sonhos de liberdade, poder, força, status social, beleza, juventude, auto-afirmação, a capacidade de desbravar obstáculos antes intransponíveis, a possibilidade de chegar à frente de todo mundo (já reparou que carro só anda sem engarrafamentos em comerciais de TV?) tornaram-se “possíveis” e “ao alcance de todos” com a simples posse de um veículo automotor. Como resumiu uma campanha publicitária recente sobre um determinado veículo: “ou você tem, ou você não tem”.
8 ) O efeito Pateta
Em “Motormania”, desenho animado de Walt Disney do ano de 1950, o dócil Pateta se transforma ao volante em alguém raivoso, egoísta e perigoso (veja o vídeo). Alguém que dirige alucinadamente no trânsito oferecendo risco a si próprio e aos outros. Em depoimento registrado no livro “O automóvel: planejamento urbano e a crise das cidades (Ed.Fiscal Tech), a psicóloga Iara P. Thielen, diretora do Núcleo de Psicologia do Trânsito da Universidade Federal do Paraná, diz que “ as pessoas têm um sentimento de individualismo exagerado. Elas não vêem o trânsito como um fenômeno coletivo. Por isso elas acreditam que, em primeiro lugar, o problema é sempre dos outros, que são loucos e que correm, enquanto que elas apenas exageram um pouquinho”.
9) O impacto sobre o clima
Atualmente a frota automobilística do mundo é superior a 800 milhões de carros. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas a China deverá aumentar sua frota de 17 milhões de carros para 343 milhões de carros até 2030. Segundo a secretária de Economia Verde do Estado do Rio de Janeiro, a professora da COPPE/UFRJ, Suzana Kahn, que também integra o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), o setor de transportes é responsável onde por 23% das emissões globais de gases estufa (que agravam o aquecimento global) e cerca de 50% a 70% dos poluentes atmosféricos. Os automóveis sozinhos respondem por metade de tudo isso.
10) “A era do automóvel”, por João do Rio
Membro da Academia Brasileira de Letras, João do Rio registrou em 1909, numa crônica profética, alguns dos problemas causados pela multiplicação indiscriminada de automóveis nas ruas das cidades. Note-se que esta crônica foi publicada em 1909 quando apenas 37 automóveis rodavam pelas ruas do Rio de Janeiro, então com 500 mil habitantes. O texto foi reproduzido na íntegra no livro “O automóvel : planejamento urbano e a crise das cidades (Ed.Fiscal Tech). Destaco aqui apenas o início e o final da crônica:

“E subitamente, é a Era do Automóvel.O monstro transformador irrompeu, bufando, por entre os escombros da   cidade velha, e como nas mágicas e na natureza, aspérrima educadora, tudo transformou com aparências novas e novas aspirações (…). Automóvel, Senhor da Era, Criador de uma nova vida, Ginete Encantado da transformação urbana, Cavalo de Ulysses posto em movimento por Satanás, Gênio inconsciente da nossa metamorfose!




quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Cidade Sustentável


Eleições

Por Vilmar Sidnei Demamam Berna*


Cada eleição, especialmente as municipais, é mais uma boa oportunidade para os eleitores e cidadãos mudarem a sua cidade através do voto em alguém melhor, por que o voto nulo só acaba favorecendo aos atuais detentores do Poder, que mereciam ser mudados.


Um meio ambiente adequadamente bem cuidado é condição fundamental para a qualidade de vida que todos merecem. Entretanto, meio ambiente não é só cuidar das plantas e dos bichos, mas também das pessoas, pois somos natureza também, e conscientes de nós próprios.

Para nos, a realidade é mais que apenas a parte física que vemos, percebemos com os nossos sentidos, mas é também o que sonhamos, as utopias de um mundo melhor que queremos para nós e para nossos filhos, e que começa em nós em primeiro lugar, em seguida à nossa volta, em nossas cidades, para aí sim alcançar o Estado, o País, o Mundo.

Os Estados, os países, são abstrações jurídicas. Vivemos, de verdade, é nas cidades.

Entretanto, entre nossos sonhos de viver numa cidade melhor, e efetivamente ver estes sonhos transformados em realidade, isso irá requerer muito mais que apenas aprender a votar melhor, mas também a fazer a nossa parte, por que a cidade melhor que queremos não começa em nosso vizinho ou nos políticos, mas começa em nós. Quem espera que o mundo melhor comece no outro, ou está se iludindo, ou está agindo de má vontade para não querer colaborar.

A boa notícia é que a sociedade, de uma maneira geral, está cada vez mais consciente ambientalmente. Talvez não saibamos ainda exatamente que caminhos percorrer, como nos desembaraçar das confusões em que nos metemos e dos problemas que criamos, mas seguramente sabemos os caminhos a evitar.

E, neste sentido, as questões ambientais ou da sustentabilidade não são privilégio ou domínio deste ou daquele partido, ou ONG, mas é uma responsabilidade comum, de todos, cada um de acordo com sua responsabilidade e capacidade.

Os problemas todos já conhecem. Podem ser mais ou menos, diferentes aqui ou ali, mas todas as nossas cidades possuem carências de um estilo de vida baseada no consumismo, no crescimento sem planejamento, no descarte meio irresponsável de nossos resíduos, na pouca importância com que tratamos nosso voto, delegando um poder a representantes que irão agir em nosso nome, definir políticas, aplicar nosso dinheiro, e sequer lembramos o nome deles alguns dias depois das eleições.

Entre os principais cuidados para se ter e se pensar uma cidade sustentável está o de romper com a atual tendência da compartimentalização dos assuntos ambientais e da sustentabilidade em estruturas esquálidas, sem recursos, sem importância política, que geralmente são as últimas a saberem dos assuntos na Administração.

É preciso ECOLOGIZAR E MUNICIPALIZAR A GESTÃO AMBIENTAL.

Preservar o meio ambiente não pode - nem deve - ser tarefa de uma secretaria ou órgão específico, mas de todos, muito menos ser tarefa apenas do poder público, mas também das empresas, ONGs, sociedade em geral.

Os caminhos para essa ‘ecologização’ na administração podem ser vários, depende mesmo é da decisão política dos dirigentes e fundamentalmente de indicadores de resultados democráticos e realistas e de um sistema horizontal de comunicação em que todos possam ter amplo acesso às informações de interesse público.

Uma sugestão pode ser utilizar a própria estrutura ambiental existente para ampliar a discussão, promover a capacitação necessária, estimular e monitorar a evolução de uma forma de administrar, compartimentalizada, para outra, ecologizada.

O atual Conselho Municipal de Meio Ambiente poderia ser fortalecido e valorizado e se tornar a ponta de lança para o debate em torno desta mudança, definir os indicadores e as metas, definir as formas de avaliação de resultados, definir os mecanismos de transparência e comunicação, onde os diversos setores da sociedade, os diversos órgãos dos poderes executivo, legislativo, judiciário poderiam definir que ‘ecologização’ é possível.

A iniciativa privada e as ONGs também devem participar, por exemplo, através de seminários e audiências públicas em cada bairro ou comunidade. Outra tarefa fundamental é a capacitação e treinamento dos funcionários municipais para ecologizarem a administração - uma parceria que poderia nascer com as universidades sediadas na cidade -, afinal, a mudança não resulta do acaso e não se pode pressupor que todos dominam este assunto. Esta capacitação já deveria levar em conta a tendência do governo Federal e Estadual de repassar cada vez mais responsabilidades aos municípios, por exemplo, com o licenciamento e fiscalização ambiental.

Neste contexto, seria importante instituir uma OUVIDORIA AMBIENTAL, com instalações públicas condignas e aparelhadas para atender a todo cidadão que deseje formular reclamações ambientais, as quais serão processadas e respondidas no prazo máximo de 20 dias, inclusive passando a contar com a LINHA DIRETA AMBIENTAL, um telefone com ligações grátis para recebimento de denúncias e sugestões da população.

Também estabelecer uma POLÍTICA ECOLÓGICA DE COMPRAS na Administração optando por materiais menos agressivos ao meio ambiente, que sejam mais duráveis, de melhor qualidade, recicláveis ou que possam ser reutilizáveis e incluiremos, entre as exigências básicas para contratação de prestadores de serviços e fornecedores, que comprovem a adoção de práticas ambientais de gestão, indicadores de ecoeficiência e de treinamento ambiental de seus funcionários e demonstrem a eficácia dos resultados de projetos de responsabilidade sócio-ambiental corporativas.

Vilmar é escritor com 15 livros publicados. Na Paulus, publicou “Como Fazer Educação Ambiental”, “Comunicação Ambiental”, “O Desafio do Mar”, “O Tribunal dos Bichos”, entre outros, e nas Paulinas, “Pensamento Ecológico” e “A Administração com Consciência Ambiental”, transformados em curso à distância pela UFF – Universidade Federal Fluminense. Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e em 2003 o Prêmio Verde das Américas. É fundador da REBIA – Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ) e editor do Portal (www.portaldomeioambiente.org.br ) e da Revista do Meio Ambiente (www.revistadomeioambiente.org.br ). Mais informações sobre o autor:www.escritorvilmarberna.org.br ). Contatos: vilmar@rebia.org.br

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Todos somos céticos

ter, 03/07/12
por andre trigueiro | G1 Mundo Sustentavel
categoria Sem categoria


Jornalista não é cientista, mas quando cobre os assuntos da ciência precisa entender minimamente os procedimentos e valores que regem esta comunidade. O que segue abaixo – em tópicos – é um resumo daquilo que me parece importante destacar sobre a cobertura dos assuntos ligados às mudanças climáticas.
Quem são os “céticos”?
A boa ciência, por princípio, tem o ceticismo como precioso aliado. São céticos todos os cientistas que norteiam seus trabalhos sem visões preconcebidas, dogmas ou interpretações pessoais da realidade desprovidas da correta investigação científica. É equivocado, portanto, chamar de “céticos” apenas aqueles que hoje se manifestam contra a hipótese do aquecimento global, ou da interferência da humanidade nos fenômenos climáticos.
A diferença entre opiniões pessoais e trabalhos publicados
Todo cientista tem o direito de compartilhar opiniões, impressões ou análises superficiais sobre o assunto que bem entender. Para a ciência, isso é tão importante quanto a opinião manifestada por qualquer leigo. Neste meio, vale o que foi publicado em revistas especializadas, de preferência as que adotam o modelo de revisão pelos seus pares, ou “peer review” em inglês (como a Science ou Nature, para citar apenas as mais famosas), onde o conselho editorial é composto por cientistas que indicarão outros cientistas. Estes terão o cuidado de aferir se a nova hipótese para a explicação de um determinado fenômeno seguiu rigorosamente os protocolos de investigação que regem o método científico. Sem isso, o conteúdo em questão – ainda que emitido por um cientista – se resume à categoria de mera opinião.
Na cobertura jornalística, em havendo controvérsia sobre um determinado assunto, convém verificar a quantidade e a qualidade dos trabalhos publicados. Até o momento, os estudos sobre mudanças climáticas se concentram majoritariamente em favor da hipótese do aquecimento global. As duas correntes científicas, neste caso, não são equivalentes nem proporcionais. Embora ambas mereçam respeito.
A ciência do clima
Essa é uma área nova de investigação científica extremamente complexa e imprecisa. Não há certezas absolutas (em ciência, pode-se dizer, nunca haverá 100% de certeza já que a hipótese prevalente pode um dia ser invalidada diante do surgimento de novas evidências) e a controvérsia alimenta o debate na busca daquilo que venha a ser a melhor explicação para o fenômeno observado. O próprio IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) reconhece em seus relatórios as várias incertezas ainda existentes. As modelagens do clima não explicam totalmente as variações de temperatura em função das emissões de gases estufa. Ainda assim, há hoje mais certezas do que dúvidas de que o planeta está aquecendo e que os gases estufa emitidos pela Humanidade contribuem para esse fenômeno.
As oscilações naturais de temperatura do planeta em eras geológicas, a interferência do Sol nos fenômenos climáticos e todas as outras possibilidades que explicariam o que está acontecendo hoje são objeto de inúmeros estudos e pesquisas. Mesmo assim, segundo a corrente majoritária de cientistas, não há, até o momento, outra explicação mais convincente e embasada para explicar as mudanças climáticas, do que a interferência humana.
Foi por isso que a maioria dos países assinou em 1992 o Acordo do Clima (que reconhece essa interferência no fenômeno climático), consolidou em 1997 o Tratado de Kioto (que estabeleceu prazos e metas para a redução das emissões até 2012), e definiu em 2011 o Mapa do Caminho de Durban (que estabelece o prazo limite de 2015 para que todas as nações apresentem seus compromissos formais de redução dos gases estufa para implementação a partir de 2020).
Teoria da conspiração
Soa leviano – quase irresponsável – resumir o endosso à tese do aquecimento global de numerosos contingentes de cientistas e pesquisadores de algumas das mais importantes e prestigiadas instituições do mundo a uma conspiração que teria por fim “impedir o crescimento econômico dos países pobres ou emergentes no momento em que eles poderiam queimar muito mais combustíveis fósseis” ou “privilegiar setores da indústria, especialmente européias, que desenvolveram patentes de novas tecnologias para a produção de energia mais limpa e renovável”. É incrível ver como declarações nesse sentido são repetidas à exaustão por pessoas que, em alguns casos, se dizem cientistas.
Com toda franqueza: como imaginar que a maioria absoluta dos países (ricos, emergentes e pobres) com suas muitas diferenças políticas, ideológicas, econômicas e sociais, sejam manipulados de forma tão grosseira em favor de uma gigantesca farsa que teria o poder de burlar a vigilância de suas respectivas comunidades científicas? Essa absurda teoria conspiratória relega a segundo plano a idoneidade, a honestidade intelectual e a autonomia de pessoas físicas e jurídicas do mais alto gabarito, em quase 200 países, que avalizam publicamente a hipótese do aquecimento global, e com influência humana. Em se tratando apenas de personalidades brasileiras, deve-se mais respeito a figuras como José Goldemberg, Paulo Artaxo, Carlos Nobre, Luis Pinguelli Rosa, Roberto Schaeffer, Suzana Kahn, Gylvan Meira, entre tantos outros que são reconhecidos dentro e fora do país, inclusive pela produção acadêmica que lhes afere enorme credibilidade.
Como imaginar que esse suposto “movimento orquestrado em favor do aquecimento global” seja ainda mais poderoso do que o lobby dos combustíveis fósseis (ou mesmo das empresas do setor automobilístico), a quem a hipótese da elevação da temperatura do planeta pela queima de óleo, carvão e gás tanto incomoda por razões óbvias? É inegável o poder que as companhias de petróleo ainda possuem para financiar campanhas, definir políticas públicas e os resultados de Conferências da ONU, como foi o caso recentemente da Rio+20, onde não se conseguiu reduzir em um único centavo aproximadamente 1 trilhão de dólares anuais em subsídios governamentais para os combustíveis fósseis no mundo inteiro.
A Justiça é cega?
Merecem registro decisões históricas da Justiça americana – baseadas única e exclusivamente no conhecimento científico já construído sobre o aquecimento global – de que o dióxido de carbono (CO2) é um “gás poluente” (Suprema Corte/abril de 2007) e que o Governo Federal tem competência para regular as emissões de gases estufa (Tribunal de Apelações, semana passada, por unanimidade). Como os juízes não são especialistas no assunto, foram buscar a informação mais confiável e balizada possível na literatura, junto a peritos e instituições renomadas acima de quaisquer suspeitas. Neste caso, o trabalho dos juízes se confunde com o dos jornalistas na busca pela informação mais confiável.
O risco
Se não há 100% de certeza se os gases estufa emitidos pela Humanidade – especialmente pela queima progressiva de óleo, carvão e gás – contribuem efetivamente para o aquecimento global, por que se deveria apressar investimentos em mitigação (redução das emissões) e adaptação (prevenir risco de mortes e importantes perdas materiais em função dos eventos extremos, elevação do nível do mar etc)? A resposta é simples e leva em conta a mesma lógica que determina a opção por um seguro de vida, da casa ou do carro. Em todas essas modalidades de seguro, a probabilidade de acontecer algo indesejado é muito menor do que aquela que os cientistas apontam em relação ao clima. Ainda assim, muitos de nós consideram sensato recorrer a companhias de seguro para se precaver de eventuais riscos, por mais remotos que sejam.
Há outra questão importante: todas as recomendações do IPCC para que evitemos os piores cenários contribuiriam para um modelo de desenvolvimento mais inteligente e saudável. Reduzir as emissões de gases poluentes, combater os desmatamentos, tratar o lixo e o esgoto, promover a eficiência energética, priorizar investimentos em transportes públicos de massa, entre outras medidas, geram mais qualidade de vida, saúde e bem estar. São as chamadas “políticas de não arrependimento”. Se em algum momento for proposta outra hipótese robusta para as variações do clima, o que se preconiza agora como “o certo a fazer” não deixará de ser “o certo a fazer”. Mudaria apenas o senso de urgência para que os mesmos objetivos sejam alcançados.
Qual é a prioridade?
Num mundo onde ainda há tanta pobreza, fome e miséria, pode-se defender como prioridade a canalização de recursos para a solução imediata destes problemas. É um pensamento legítimo. Mas o caminho do desenvolvimento pode ser sustentável e inclusivo. Uma agenda não exclui a outra. Uma questão dada como certa por boa parte dos cientistas é que o não enfrentamento das mudanças climáticas tornará a situação dos pobres e miseráveis ainda mais angustiante e aflitiva. Melhor agir, e logo.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Bufão: reino da loucura organizada



por Cláudia Sachs *

Na Idade Média, Igreja Católica amaldiçoava o riso por considerá-lo de origem essencialmente diabólica. Foram emprestados aos diabos os traços cômicos, e, dessa forma, os bufões encantavam o público e rompiam com a monotonia e o tom solene que havia nos espetáculos religiosos. O teatro popular medieval das feiras e praças foi excomungado pelas autoridades religiosas e até mesmo por decisões de conselhos civis.
Pouco a pouco o profano começa a sobrepor-se ao sagrado, contribuindo assim para a formação de um novo espetáculo. Nas figuras dos diabos, reaparece o sorriso satírico os malvados, os pecadores, os tentadores, os heréticos, revestindo-se outra vez, ainda que simbolicamente, das máscaras do Mimo e das Atellanas. Ambas são figuras satíricas incríveis, com suas expressões faciais e suas insolências, que conseguiam arrebatar grandes públicos nas praças, nos burgos lotados pela multidão e nas cortes principescas.
Segundo Serge Martin (1984), o termo "Bufão" veio da palavra grega que designava o Louco. Desde a Antiguidade até o séc. XVII, os ricos e poderosos tinham sempre perto deles os Bufões. Na Pérsia, Egito, e mais tarde na Grécia e em Roma, esses pobres miseráveis, párias disformes, vinham fazer rir os poderosos, anunciavam-lhes o futuro ou as vontades dos deuses e eram amiúde convidados a apresentarem-se em festas nobres.
O Bufão é representado na maioria das dramaturgias cômicas. É um cômico grosseiro, indelicado, obsceno, grotesco. Vertigem do cômico absoluto, é o princípio orgiástico da vitalidade transbordante, da palavra inesgotável, da desforra do corpo sobre o espírito, da derrisão carnavalesca do pequeno ante o poder dos grandes, da cultura popular perante a cultura erudita. O bufão é o louco, o marginal. Esse estatuto de exterioridade o autoriza a comentar os acontecimentos impunemente, como uma paródia do coro da tragédia. Sua fala, a fala do louco, é proibida, porém ouvida.
O poder desconstrutor do bufão atrai os poderosos e os sábios: o rei tem seu bobo; o jovem apaixonado, seu criado; o senhor nobre da comédia espanhola, seu gracioso; Dom Quixote, seu Sancho Pança; Fausto, seu Mefisto; Wladimir, seu Estragon. O bufão destoa onde quer que vá: na corte, é plebeu; entre os doutos, dissoluto; em meio a soldados, poltrão; entre estetas, glutão; entre preciosos, grosseiro… e lá vai ele, seguindo despreocupadamente seu caminho. Ele é o princípio vital e corporal por excelência, um animal que se recusa a pagar pela coletividade e que nunca tenta fazer-se passar por outro. Ele é o revelador dos outros e nunca fala em seu próprio nome. O bufão guarda, na verdade, a lembrança de suas origens infantis e bestiais. É um ser transcendental, visionário e lúcido, que se utiliza do deboche e da paródia para transmitir sua mensagem.
A lascívia é uma das suas características, assim como a mistura entre linguagem literária e gíria popular, de valores rítmicos de representação com abundância de gestos típicos e movimentos quase dançados. De uma maneira geral, os atores que jogam esse estilo exibem um modo de atuar acrobático, gestos que remetem a uma técnica de corpo não-cotidiana. Especialmente no teatro popular e na comédia, há outros tipos-personagens e máscaras que encenam a liberdade sexual, a obscenidade, o prazer, e que, embora não caracterizados formalmente como bufões, têm sua postura ideológica uma atitude esca, onde as obscenidades vêm acompanhadas de zombarias a determinados segmentos da sociedade ou cidadãos. Marcado pela licensiosidade, o bufão é genuinamente amoral, libidinoso ao extremo, manifestando as emoções com exagero. Suas necessidades fisiológicas básicas (inclusive as sexuais) podem ser satisfeitas na presença do público e sem o menor pudor, até mesmo de forma provocadora. Sua liberdade não se limita ao obsceno: é uma estratégia para denunciar o absurdo das relações humanas.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Bendita é entre as florestas: Caatinga

(Texto enviado por Vilmar S. D. Berna)

Cristiano Cardoso Gomes é Engenheiro Florestal e Licenciado em Ciências Agrícolas, Mestrando em Ciências Florestais pela UFRPE.
Quando se fala em florestas, a maioria das pessoas logo lembra a Amazônia, a outros veem a memória a Mata Atlântica, a alguns o Cerrado, um ou outro se lembra da Caatinga.
Não é raro questionar se a Caatinga é floresta ou mata. Não é difícil ver pessoas surpreendidas quando se diz que a Caatinga é uma floresta. A Caatinga é Mata sim, inclusive na própria epistemologia do nome, quando os reais autóctones dessa nação (os índios) definiram em Tupi esse tipo de vegetação como Mata Branca. O branco em função de a mesma perder as folhas e ficar com aspecto acinzentado e esbranquiçado.
Não é raro exibir a Caatinga no período que está sem folhas, relacionando sua imagem a aridez e a fome, a um ambiente estéril, pobre, miserável e de baixa diversidade.
A apologia é sempre para uma vegetação degradada, esgotada, paupérrima, cuja solução é transpor rios, e assistir o povo com bolsas. Raramente diz-se que a Caatinga é o único domínio vegetacional (bioma) exclusivamente brasileiro, e seu potencial e pouco demonstrado.
DSC00100 A Caatinga é reconhecida pela Conservation International como uma das 37 grandes regiões naturais do Planeta, pois apresenta um conjunto único de espécies e características ecológicas, sendo então considerada como uma das regiões de altíssima prioridade para a conservação. Já a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) reconheceu a Caatinga como um ecossistema importante para a conservação, incluindo-a como uma Reserva da Biosfera. O programa de Reserva da Biosfera procura meios de reconciliar a conservação da biodiversidade com o seu uso sustentável, e estimula que países proponentes se responsabilizem em manter e desenvolver essa reserva.
Mesmo sofrendo os efeitos da antropização e das longas estiagens, a Caatinga possui uma rica diversidade ainda a ser estudada, inclusive no que se refere ao conhecimento local sobre os recursos vegetais, bem como os usos que as populações humanas faziam, fazem e poderão fazer dos recursos (SAMPAIO & GAMARRA-ROJAS, 2002).
Apesar dos altos níveis de biodiversidade incluindo 932 espécies de plantas, dos quais 318 são espécies endêmicas, 187 tipos de abelhas, 240 espécies de peixes, 62 famílias e 512 espécies de aves e 148 espécies de mamíferos - a caatinga é mal protegida (GIULIETTI et al., 2004). A Caatinga representa o menor número de áreas protegidas, e a menor área protegida total de qualquer outro bioma brasileiro (LEAL et al. 2005).
DSC06501Nesse ano, o semiárido e o domínio vegetacional têm sido impactados por uma grande estiagem, e enquanto a terra racha e os agricultores têm o olhar perdido diante de uma severa seca, a Caatinga esverdeia e reflete o sol. Enquanto governadores, ministros e até a presidenta buscam combater a seca como um exercito ensandecido, a caatinga flora e frutifica como se quisesse falar.
A vegetação foi e sempre será ao sertanejo, um banco, seja à alimentação de seus animais seja da extração de frutas, fibras, cascas, retirada de lenha para cocção de seu alimento ou produção de carvão.
Querendo ou não, certo ou errado, sustentável ou insustentável a vegetação é usada. Contudo, os urbistas tendem a querer não enxergar, e condenar o uso, limitando-se a legislar, proibir e dificultar esse uso.
É fácil ser ecologista e defensor ambiental quando se tem comida na mesa. Difícil é assumir que importante é usar racionalmente a Caatinga. Nesse ano de seca a vegetação sustentará rebanhos, e famílias sobreviverão em função da oferta de vários produtos. A caatinga dará o pão e não permitirá que os animais e as famílias findem pela falta de alimento.
DSC04779Os governantes precisam não só agir combatendo e mobilizando-se no caos, pois seca não se combate se convive. A seca não pode ser vista como um problema, pois o problema são os homens que não respeitam um ciclo natural nem a força da natureza. A seca é cíclica e só em considerar isso, já se pode pensar em atenuar seus impactos. E mesmo com toda foracidade climática, o domínio vegetacional da Caatinga resplandece nos quinhões do semiárido. Em contraponto a nossa arqueológica calamidade cíclica, acima da linha do equador há muitos invernos rigorosos, e nem por isso escuta-se falar em calamidades alimentares.
No ano em que os cultivos agrícolas pouco ou nada produzem, a Caatinga demonstra sua resilencia, expondo a sociedade que não há seca que tombe árvores formadas, que ali estão para dá frutos diversos.
Há trinta anos estudiosos diziam que em 20 ou 30 anos a Caatinga estaria dizimada, nesse período muito foi destruído, contudo a população quase dobrou, o parque industrial ampliou e o PIB e o consumo de energia quadruplicaram, com tudo isso ainda resta quase 40% da vegetação e a caatinga ainda é responsável por 30% da matriz energética nordestina.
Isso nada mais é do que a demonstração cabal de que caso haja planejamento, essa dádiva que é a Caatinga resistirá e poderá ampliar ainda mais a sua oferta, sobretudo se utilizada com princípios de produção sustentáveis.
A caatinga é um recurso natural e precisa de políticas efetivas tanto para a preservação como para conservação. O uso de florestas precisa ser pautado na escassa assistência técnica, é preciso incentivar financeiramente e tecnicamente o manejo da vegetação e a recuperação de áreas degradadas e pastagens abandonadas.
Dezenas de estudos e anos de experiência de técnicos, empreendedores, organismos nacionais e internacionais, atestam que é possível manejar a Caatinga com responsabilidade e sustentabilidade.
Os sertanejos fazem isso há séculos. Mesmo sem o uso regular da Caatinga, os sertanejos sabem as raízes que podem alimentá-los, as plantas que dão energia, que dão peso aos animais, as espécies indicadas para silagem, as que tratam enfermidades, as plantas nativas e as espécies indicadas para usos específicos, sendo a vegetação um grande shopping de produtos.
Assim, quando vejo uma carroça de mandacaru, não vejo a dizimação dos mesmos, mas, um método secular de manejo. Enxergo a ciência e a inteligência presente no sertanejo (a), e percebo que apesar da erodibilidade do conhecimento e da maçante campanha de detonação da caatinga, que a caracteriza como um ambiente hostil, os sertanejos sabem sacar sustentavelmente da natureza os recursos para salvar a si e a sua criação.
Quando um sertanejo (a) mostra como usar esses recursos, devemos construir estratégias de uso sustentável. Precisamos criar meios de garantir e ampliar a eficiência e a sustentabilidade dos recursos naturais, e não espalhar em redes sociais que estão acabando com os mandacarus, que é uma desgraça, que tudo está condenado, que é o fim. Pelo contrário, é o começo, o caminho e a saída. É assim que se convive, pois isso é conviver. O que é bem diferente do combater, tática comumente usada pelo Estado.
Estratégia é conviver, e é isso que deve ser valorizado, buscado e realizado. A vegetação nos ofertam meios diversos, basta saber colher.
É por subsidiar, ser resiliente, biodiversa, múltipla e única, que a Caantiga é bendita entre as florestas.
*
Bibliografia citada:
CONSERVATION INTERNATIONAL, 2003. Grandes Regiões Naturais: as últimas áreas silvestres da Terra. Encarte em português. 36p. Disponível em formato eletrônico:http://www.conservation.org.br/publicacoes/files/ capa_grandes_regioes.pdf
GIULIETTI, A. M., ET AL. Diagnóstico da vegetação nativa do bioma Caatinga. Pages 4890 in J. M. C. Silva, M. Tabarelli, M. Fonseca, and L. Lins, editors. Biodiversidade da Caatinga: áreas e ações prioritárias para a conservação. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 2004.
LEAL, I.R., DA SILVA, J.M.C., TABARELLI, M., AND LACHER T.E.JR. 2005. Changing the course of biodiversity conservation in the Caatinga of Northeastern Brazil. Conservation Biology 19: 701-706.
SAMPAIO, E. V. S. B. & GAMARRA-ROJAS, C. F. L.2002. Uso das plantas em Pernambuco. En: TABARELLI, M., SILVA, J. M. C. (org.) Diagnóstico da biodiversidade de Pernambuco. 633-645. Editora Massangana. Recife.

segunda-feira, 30 de abril de 2012

Sustentabilidade: Comunicação e mudança


Por Vilmar S. D. Berna

Distantes mais de 4 mil quilômetros um do outro, mas unidos com um mesmo propósito. A comunicação ambiental foi o tema de pauta de dois importantes encontros nos extremos do Brasil, o VII Fórum Água em Pauta, em Fortaleza, CE, o 1º Fórum de Jornalismo Ambiental, na Fiema Brasil 2012, em Bento Gonçalves (RS).

Estes eventos sinalizaram o quanto a sociedade e os profissionais da comunicação estão cada vez mais conscientes sobre a importância estratégica da comunicação como fator de mudança para a sustentabilidade, não só por que promove a democratização da informação ambiental, mas por possibilitar o diálogo e a negociação de conflitos, naturais numa democracia.

Em Fortaleza, capital do Estado do Ceará, o evento foi organizado pela Revista Imprensa, no VII Fórum Água em Pauta ( www.portalimprensa.com.br/forumagua ), reunindo no auditório do Departamento Nacional de Obras Contra as Secas - DNOCS técnicos, jornalistas, e outros interessados em torno da pauta da comunicação para a sustentabilidade. O Ceará não foi escolhido por acaso, nem o DNOCS. O órgão completou recentemente 100 anos de existência, um marco num país com tradição de descontinuidade administrativa, e neste período, o DNOCS investiu cerca de 20 bilhões de dólares a preços atuais para tornar o semi-árido nordestino no mais povoado e desenvolvido entre as regiões semelhantes do mundo. O Estado do Ceará tem ainda uma tradição em gestão compartilhada da água que serve de exemplo para o Brasil, através dos seus Comitês Integrados de Bacias. Em 2010, sediou o XII Encontro Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas e nos anos ímpares, nos meses de novembro, sedia o Encontro Intercontinental sobre a Natureza - O2, organizado pelo Clodionor Araújo, do Instituto Hidroambiental Águas do Brasil – IHAB, e que tem contribuído para estimular, promover e divulgar o conhecimento técnico- científico sobre a água, meio ambiente e conscientizar a sociedade da importância de proteger e usar racionalmente os recursos naturais para a produção limpa e os negócios sustentáveis, visando a melhoria da qualidade de vida.

Cerca de 4,2 mil quilômetros de Fortaleza, em Bento Gonçalves, no Estado do Rio Grande do Sul, durante a 5ª edição da Feira Internacional de Tecnologia para o Meio Ambiente, a Fiema Brasil 2012, cerca de 300 expositores nacionais e internacionais demonstravam para um enorme público interessado o quanto a criatividade, o empreendedorismo, o conhecimento técnico-científico em meio ambiente e sustentabilidade já estão disponíveis para a sociedade. Talvez, agora, a maior exigência seja investir ainda mais em comunicação para a sustentabilidade, mostrando que os sonhos já começaram a se transformar em realidade, e que é possível mudar. Para promover o debate sobre sustentabilidade e Meio Ambiente em Pauta – possibilidades, abordagens e desajustes, o Jornalismo Ambiental virtual – a cobertura feita nas mídias sociais, sites e blogs e Rio + 20, a FIEMA realizou seu Iº Fórum de Jornalismo Ambiental (http://www.fiema.com.br/pt/eventos-simultaneos/forum-de-jornalismo-ambiental.html ), com a participação de Ricardo Voltolini, da empresa Ideia Sustentável, Alan Dubner, consultor em Comunicação Interativa, especializado em Mídia Social, integrante do portal Jornalismo Ambiental e Paulina Chamorro, gerente de Meio Ambiente do grupo Estadão e apresentadora das rádios Eldorado e Estadão ESPN, Henrique Camargo, editor do Mercado Ético, Reinaldo Canto, do portal Envolverde, especialista em Sustentabilidade, Cláudia Piche, do Ideia Sustentável.

Os desafios ainda são enormes, conforme apontados por vários debatedores, principalmente por que a consciência ambiental não é igual para todos. Ainda somos um país com um grande índice de analfabetismo, real e maior ainda funcional, por isso o rádio exerce um papel fundamental como meio de comunicação, não requer a alfabetização nem que o ouvinte tenha de parar seus afazeres.

Ao lado disso, e apesar da exclusão digital ainda ser enorme, os incluídos digitalmente no Brasil reúnem parcelas significativas e importantes dos segmentos de opinião pública, especialmente entre os formadores e multiplicadores de opinião, o que torna as redes sociais e os blogs em fenômenos de comunicação ainda pouco compreendidos. Se antes, os leitores precisavam de intermediadores para suas relações com a informação e a produção de conhecimento, agora os próprios leitores produzem e divulgam quase instantaneamente textos, imagens, opiniões, comentários, e também mobilizam, protestam, organizam abaixo-assinados, sem fronteiras, sem censura, num processo ainda não tão bem compreendido sobre qual será o papel dos profissionais e dos veículos de comunicação tradicionais neste novo cenário.

Apesar disso, constata-se um enorme grau de analfabetismo e desmobilização ambiental, não só pela falta de informação ambiental de qualidade e em quantidade suficiente, mas principalmente pela oferta de informações comprometidas com o consumismo e na contramão da sustentabilidade, o que compromete a velocidade da mudança e da mobilização da sociedade.

A REBIA esteve presente, a convite dos organizadores, tanto através de membros dos Fóruns REBIA NORDESTE, em Fortaleza, quando da REBIA SUL, em Bento Gonçalves, e através do editor da Revista do Meio Ambiente e do moderador da REBIA NACIONAL, Ivan Ruela.

* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ) e edita deste janeiro de 1996 a Revista do Meio Ambiente (que substituiu o Jornal do Meio Ambiente) e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas - www.escritorvilmarberna.com.br

sábado, 10 de março de 2012

Aprendizado para a sustentabilidade

Por Vilmar Sidnei Demamam Berna*


Nossa espécie tem a capacidade de adequar sua visão de mundo até que faça sentido com seus interesses e valores. A realidade é o que é, mas também inclui o que achamos e convencionamos que passará a ser, por que parte dela é matéria e parte é feita dos nossos sonhos, utopias, idéias que dão sentido à existência.

Nossos atos, comportamento, moral, ética são determinados por essas visões da realidade e, estas, são influenciadas pelas informações e pelos valores que recebemos.

A informação histórica, por exemplo, nos dá possibilidade de conhecer nossas raízes e herança, as origens das idéias que definem e dão sentido ao mundo como o conhecemos hoje e como isso influência em nossas atitudes e escolhas. Até para que compreendamos que são idéias aprendidas e que elas mudam à medida que mudamos nossas escolhas.

A idéia predominante hoje é a de que somos os donos da natureza. E ela não é nova. Também não é uma idéia européia. Muito antes dos “Descobridores” terem chegado ao ´Novo Mundo` os povos que os antecederam já tinham se encarregado de extinguir a megafauna, como a preguiça gigante. E nos demais continentes aconteceu o mesmo com o Mamute, o Tigre-dente-de-sabre e tantas outras espécies. Técnicas de caça primitivas, ainda usadas hoje, mostram como deve ter sido. Os caçadores queimavam parte dos ecossistemas obrigando os animais a fugirem até serem encurralados em lamaçais ou locais onde pudessem ser abatidos mais facilmente. O desastre ambiental devia ser enorme a cada caçada. Até aqui, não existiram mocinhos em nossas relações com a natureza. Nossa geração tem a chance de começar a mudar essa história, por que nenhuma antes de nós teve tantos recursos e conhecimentos disponíveis. Não podemos nos livrar de nossa herança biológica que nos coloca na parte da cadeia alimentar reservada aos predadores, mas isso também não significa que tenhamos que agir como pragas que consomem até se extinguirem depois de destruir tudo. Diferente das pragas, temos discernimento para escolher entre o bem e o mal.

Também não é justo, com os humanos que nos antecederam repudiarmos a herança natural e cultural que nos deixaram. Certos ou errados, graças a eles estamos aqui, hoje. E se temos mais ferramentas e tecnologias do que eles, mais compreensão e conhecimento da natureza do que eles tiveram, não se justifica continuar cometendo os mesmos erros. Nossa geração tem uma oportunidade histórica que nenhuma geração anterior à nossa teve, a de encontrar um caminho de sustentabilidade na nossa relação com a natureza.

Precisamos encarar o fato de que as máquinas que vieram facilitar a nossa vida foram também as principais responsáveis por aumentar nossa ´pegada ecológica´. A destruição e o uso dos recursos naturais - que antes da Revolução Industrial se dava numa escala artesanal -, passou a se dar numa escala industrial. Nos últimos dois ou três séculos, as gerações que nos antecederam deixaram uma herança cultural e econômica importante, mas também deixaram atrás de si um rastro de destruição ambiental, miséria para a maioria e concentração de riquezas e poder para uma minoria.Talvez este seja o papel da nossa e das próximas gerações, encontrar o equilíbrio entre o direito ao progresso e ao desenvolvimento humano e a sustentabilidade da natureza, o que vai exigir uma mudança radical na forma como pensamos e fazemos as coisas. Podemos não conhecer exatamente como ser sustentáveis, mas não temos alternativas a não ser tentar, aprendendo no próprio ato de caminhar, por que a história não nos inspira com bons exemplos de sustentabilidade.

A boa noticia é que estamos mudando, e rápido. A escravidão foi abolida e hoje é considerada crime hediondo, assim como o preconceito. Na nossa relação com os animais cada vez menos a sociedade tolera maus tratos sob qualquer argumento e já existe um sentimento de que precisamos promover o bem estar deles. Os povos originais não contatados ainda são mantidos isolados, para viverem da forma que julgarem melhor. Em relação à natureza, cresce cada vez mais o conceito de sustentabilidade.

Já existe uma forte pressão mundial para que o principal indicador de progresso das nações, o PIB ( Produto Interno Bruto ), não considere apenas indicadores econômicos, mas também sociais e ambientais. Os relatórios de prestação de contas das empresas já incorporam a sustentabilidade como parte do negócio em vez ver como um custo a mais ou um obstáculo no caminho do lucro.

A má noticia é que entre as idéias - a boa intenção, as leis, as políticas, o discurso - e as boas práticas, ainda existe um enorme vazio a ser preenchido com trabalho duro de gestão, capacitação, sensibilização, treinamento, pesquisa e desenvolvimento de novas tecnologias, democratização da informação para a sustentabilidade para que as pessoas possam fazer escolhas diferentes das que nos conduziram à beira de um colapso e, principalmente, exercício de cidadania critica e consciente, por que as mudanças não acontecem por acaso nem são resultados de salvadores da pátria ou de déspotas esclarecidos.

As mudanças, numa sociedade, para serem duradouras, devem resultar da organização dessa sociedade em torno de seus direitos e no rumo do mundo melhor que deseja. E esta organização e consciência socioambiental têm crescido a cada Fórum Social Mundial, a cada Cúpula dos Povos, a cada nova ONG que é criada para lutar pelos direitos difusos, e, infelizmente, a cada grande acidente ambiental - amplamente divulgado por uma mídia cada vez mais sensível às questões socioambientais.

O anunciado colapso ambiental já está nos atingindo. Segundo alerta de 1360 cientistas, de 95 países diferentes, que durante 4 anos, de 2001 a 2005, estudaram a situação ambiental global, 60% dos ecossistemas do Planeta já foram alterados. Para ficar só num exemplo - entre tantos outros -, as águas do mar de Aral foram drenadas para a produção agrícola até seu completo esgotamento. E detalhe. Neste caso, não foi pelo Capitalismo ou pela ganância de uns poucos em enriquecer, mas foi num país de regime Comunista, resultado de um planejamento governamental, de uma técnica e uma política comprometida com uma visão de mundo onde apenas os ganhos socioeconômicos foram levados em conta em detrimento dos ambientais. O que também revela que a ciência, a política, a técnica não são neutras. E que não interessa o 'ismo' ideológico que uma sociedade adote; se não respeitar a capacidade de suporte da natureza vai chegar aonde os outros chegaram. Onde antes havia um mar, com navios, peixes e pescadores, agora existe um deserto.

Ignorar os alertas não livrou civilizações anteriores como a dos Faraós, dos Maias, dos povos da Ilha de Páscoa de se extinguirem após o uso intensivo dos seus recursos naturais, principalmente da água, além da capacidade de suporte da natureza.

Precisamos aprender com os próprios erros e mais ainda com os erros alheios a fim de não repeti-los indefinidamente.

Gostamos do conforto de nossas cidades e não saberíamos mais viver sem elas. Mais um motivo para encontrarmos o ponto de equilíbrio que nos permita associar desenvolvimento econômico, justiça social com a capacidade de suporte da natureza. Civilização nenhuma antes da nossa possuiu tantos recursos, conhecimento e informação, oportunidades quanto a nossa. Hoje, sabemos muito bem aonde o mau uso da natureza pode nos levar e sabemos que podemos mudar nossa história.

* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ), em janeiro de 1996 fundou o Jornal do Meio Ambiente e, em 2006, a Revista do Meio Ambiente e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas - http://www.escritorvilmarberna.com.br/

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2012

SOLIDARIEDADE: TODOS COM LÚCIO FLÁVIO PINTO


Não pretendo o papel de herói (pobre do país que precisa dele, disse Bertolt Brecht pela boca de Galileu Galilei). Sou apenas um jornalista. Por isso, preciso, mais do que nunca, do apoio das pessoas de bem. Primeiro para divulgar essas iniquidades, que cerceiam o livre direito de informar e ser informado, facilitando o trabalho dos que manipulam a opinião pública conforme seus interesses escusos. (Lúcio Flávio Pinto, em 14 de fevereiro de 2012).

Uma das principais referências quando o assunto é jornalismo na Amazônia, Lúcio Flávio Pinto, terá que pagar indenização por “ofensa moral” à família de empresário responsável por gigantesco esquema de posse ilegal de terras públicas na Amazônia.

Lúcio, 62, edita o Jornal Pessoal há 25 anos, em Belém, capital do Pará e uma das mais importantes cidades da Amazônia. Em seu jornal, faz uma radiografia minuciosa e crítica da região, o que o tornou um dos maiores especialistas em temas amazônicos. Por isso já recebeu inúmeros prêmios nacionais e internacionais – Esso, Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj), Colombe d’Oro per la Pace (Itália) e Committee to Protect Journalists (CPJ).

Mas, por fazer denúncias de ações de grilagem, de fraudes aos cofres públicos e dos erros e desmandos do poder judiciário, o jornalista tem sido alvo de 33 processos desde 1992. Empresários, grileiros, funcionários públicos e magistrados estão entre seus contendores. Já sofreu agressões físicas e verbais por causa de seus artigos, sem declinar o direito de veicular informações de interesse público.

Em 1999, denunciou a ação de grilagem cometida pelo empresário Cecílio do Rego Almeida no Pará. Almeida se apropriou de cinco milhões de hectares de terras do vale do Rio Xingu, área de floresta nativa, rica em minérios e onde é construída atualmente a Usina Hidrelétrica Belo Monte. O jornalista o descreveu como “pirata fundiário” e por isso foi processado.

Em 2006, Lúcio Flávio foi condenado pelo Tribunal de Justiça do Pará (TJE-PA) a pagar uma indenização de R$ 8 mil ao empresário, mesmo com a ação criminosa sendo comprovada pelo poder público. Desde essa época recorre da decisão, sem sucesso e ainda que, em 2011, a justiça federal de 1ª instância tenha anulado os registros imobiliários dessas terras, por pertencerem ao patrimônio público, e demitido por justa causa todos os funcionários do cartório de Altamira envolvidos na fraude.

O processo de C.R. Almeida contra Lúcio tem sido marcado por abusos, pois o empresário e autor da ação morreu em 2008, mas a ação prosseguiu, o que contraria a lei. Os herdeiros não se habilitaram para continuar o processo e ainda assim a justiça lhes concedeu esse direito, mesmo fora do prazo. E, mesmo com as petições do jornalista sobre tais ilegalidades, o judiciário estadual manteve a sua condenação.

Para que fosse finalmente ouvido sobre tamanha arbitrariedade e a decisão revogada, Lúcio Flávio Pinto recorreu então ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), instância superior ao tribunal paraense. No dia 7 de fevereiro desse ano, o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Ari Pargendler, sem analisar o mérito das alegações, negou seguimento ao recurso especial que o jornalista interpôs à decisão do TJE-PA. A decisão é irrevogável.

O jornalista poderia então propor uma ação rescisória para recomeçar sua defesa, mas, diante de tantos reveses na justiça do Pará, assumiu não recorrer e aguardar a execução da sentença. Uma escolha de risco, pois implica perder a primariedade como réu em outros processos.

Sem temer o presente e o futuro, Lúcio Flávio Pinto declarou suspeito o Tribunal de Justiça do Pará e lançou uma campanha pública de arrecadação de fundos para o pagamento da sentença. Para isso, ele conta com o apoio de uma rede formada por cidadãos comuns, seus leitores, conscientes da injustiça que é praticada contra ele ao exercer seu direito de opinião e de informação, valor fundamental à democracia e à dignidade humana.

Participe também! Deposite qualquer quantia nesta conta:

Banco do Brasil – Agência 3024-4
Conta poupança: 22.108-2 (Variação 1)
Titular: Pedro Carlos de Faria Pinto (irmão do jornalista)
CPF: 212.046.162-72

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Grupo no facebook: Pessoal do Lúcio Flávio Pinto

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

O tripé (capenga) da Sustentabilidade, a RIO + 20, os políticos e os eleitores

Por Vilmar Sidnei Demamam Berna*

O Ministério do Meio Ambiente é um dos menores orçamentos da República. E, ainda assim, consegue perder mais ainda, ano após ano. Em 15/02/2012, o Ministério do Meio Ambiente (MMA) perdeu 19% dos valores previstos originalmente na Lei Orçamentária Anual. São R$ 197 milhões a menos, dos R$ 1,01 bilhão previsto. Terá para investimentos em 2012 o montante de R$ 815 milhões. No ano passado, o corte no ministério do Meio Ambiente foi de R$ 398 milhões (o equivalente a 37% do montante inicial).

Em junho teremos a RIO+20, quando o mundo todo estará de olhos voltados para o Brasil. O tema em pauta é a sustentabilidade, com ênfase em três questões, o combate à fome, a economia verde e a governança global. O evento na verdade são dois, como foi na ECO 92. Um oficial, dos líderes de governo, onde as decisões precisam ser por consenso e ainda dependem do aval dos cinco maiores e mais poderosos países e que costumam não gostar muito de regras que imponham limites aos seus modelos de desenvolvimento e governança, em boa parte, raízes dos problemas que o mundo vive hoje. Sorte nossa é que existe outro evento, este organizado pela sociedade civil, com o pé no chão da realidade, e que pressiona pelo mundo melhor que merece e que sabe que e possível.

Cinco meses depois deste grande evento, o Brasil estará votando para escolher seus novos prefeitos e vereadores, ou para reeleger os que já estão aí. Então, será natural que os candidatos aproveitem qualquer espaço para divulgar suas campanhas. Ainda bem, por que o que a sociedade mais precisa agora - para reencontrar os caminhos entre o sonho e o possível - , é o exercício da boa política, capaz de intermediar conflitos que são naturais numa democracia. A falsa idéia de que político é tudo igual e nenhum presta é um desserviço à democracia e só contribui para manter no poder os maus políticos.

O Brasil sempre se equilibrou sobre um tripé capenga, tão desproporcionalmente, que praticamente impossível equilibrar-se em pé. Em primeiro lugar, uma exagerada ênfase no crescimento econômico. Em segundo, nas questões sociais, mas no que diz respeito ao econômico, com sua ênfase na inclusão dos excluídos ao mercado de consumo, para aumentarem os lucros do econômico. E, finalmente, em terceiro, com bem pouquinha ênfase, na lanterninha dos interesses da sustentabilidade, as questões ambientais, que com a economia verde, ganha alguma chance de ser considerada pelos setores econômicos interessados em novos nichos de mercado e de lucros.

É bem comum criticarmos prefeitos, vereadores, governadores, a Presidência da República de não cuidarem direito do meio ambiente. São críticas naturais e até desejáveis, naturais numa sociedade democrática. Entretanto, nem sempre são justas, principalmente quando apenas cobram maior compromisso ambiental e com a sustentabilidade de nossos governantes e dos empresários, mas na hora de votar, ou de consumir, tais questões não são prioritárias para eleitores e consumidores.

É a maioria que dá força aos poderosos quando os elege e reelege. É essa maioria, com falsos sonhos de consumo, que enriquece os grandes grupos econômicos. Então, para sermos justos, a qualidade dos políticos e dos empresários que temos representa a vontade da maioria do povo brasileiro. E a maioria já foi responsável pela crucificação de Jesus ou pela subida do Hitler ao poder.

Não conseguiremos sair de uma situação onde o meio ambiente é tratado com pouco caso para outra em que meio ambiente, economia e o social sejam vistos equilibradamente, sem que consigamos chegar à maioria.

As questões da sustentabilidade ainda não são assunto de mesa de bar, de pagodes, ou de bate papo na esquina – e deveriam ser. E este é um grande desafio para jornalistas, educadores, artistas e todos que lidam com o publico e multiplicam opinião. Falar uma linguagem que seja percebida por todos, traduzirem o ecologês para as carências de nossa sociedade, falar para segmentos da opinião pública que muitas vezes não compreendem como um mico-leão-dourado, uma baleia, ou uma floresta podem merecer mais atenção e recursos que um ser humano que sobrevive dos restos que consegue achar no lixo.

Somos quase 200 milhões de pessoas, com enorme dificuldade de acesso às informações sobre meio ambiente e sustentabilidade, a não ser aquelas informações que reforçam a idéia de que meio ambiente é assunto de plantinhas e bichinhos, muito bonitinhos e importantes, mas pouco prioritários quando o que estiver em questão for o progresso humano.

A humanidade está, de certa maneira, diante da mesma mudança radical de ponto de vista proposta por Galileu, que quase morreu na fogueira da Inquisição ao afirmar que era a Terra que girava em torno do Universo, e não o contrário. Não somos nós que somos os donos da natureza. É o contrário. Por mais especial que nossa espécie se considere, a natureza não precisa de nós, mas é o contrário.

O evento paralelo à RIO+20 permitirá a cada um de nós mostrar que mudamos de visão. As eleições também. A natureza não vota. Então, precisamos votar por ela, não que ela precise de nós para alguma coisa, nós é que precisamos dela. Ou descemos do salto alto da nossa cobiça e arrogância humanas, e reaprendemos a conviver com o Planeta, ou mais cedo ou mais tarde, não teremos mais condições de nos adaptar.

* Vilmar Sidnei Demamam Berna é escritor e jornalista, fundou a REBIA - Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ), em janeiro de 1996 fundou o Jornal do Meio Ambiente e, em 2006, a Revista do Meio Ambiente e o Portal do Meio Ambiente ( www.portaldomeioambiente.org.br ). Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e, em 2003, o Prêmio Verde das Américas - www.escritorvilmarberna.com.br