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sexta-feira, 21 de outubro de 2011

A Europa do Cerrado

A revista The Economist elaborou recentemente um mapa do Brasil, onde compara os estados brasileiros a países, considerando o PIB, o PIB per capita, e a população. Em termos de PIB, temos no Brasil uma Polônia (estado de São Paulo), uma Cingapura (RJ), ou uma Swazilândia (Roraima). Fica bem claro que a distribuição regional do PIB brasileiro ainda é incrivelmente desigual, com o PIB de São Paulo sendo quase três vezes o PIB do Rio de Janeiro, o segundo estado mais rico da federação, e dezenas e até centenas de vezes maior que o PIB dos estados mais pobres.


Em termos de população temos dentro do Brasil por exemplo uma Argentina (estado de São Paulo), um Paraguai (Santa Catarina), ou uma Mongólia (Distrito Federal). A heterogeneidade na distribuição da produção parcialmente se explica pela heterogeneidade na distribuição da população sobre o território. Parcialmente, porque o resto da diferença vem de uma enorme desigualdade da renda per-capita. De fato, o que mais impressiona no mapa da The Economist são os dados de PIB per capita. Temos no Brasil uma Tonga (Maranhão, com US$3.327 per capita por ano), e uma Geórgia (Piauí, com US$2.929), mas também uma Rússia (RJ, US$11.786), ou uma Polônia (SP, US$13.331). As desigualdades regionais são naturais e existem em qualquer economia, mas no Brasil as diferenças são gritantes. Nos Estados Unidos, por exemplo, os 11 estados do sul do país que formaram a confederação tiveram suas economias devastadas pela guerra civil. Historicamente sempre foram mais pobres, mas houve um processo de convergência. Hoje, a renda média familiar nesses 11 estados corresponde a 90% da renda média familiar do país como um todo. No Brasil isso ainda está longe de acontecer.

Então eis que se destaca o incrível Distrito Federal, com US$ 25.062, uma mini-Europa dentro do terceiro mundo. Comparável a uma nação desenvolvida como Portugal, com renda-per-capita de US$23.844. Inexplicável, certo? Um enigma. Como uma unidade da federação que não possuiu parque industrial, não possui vasta produção agrícola pode ter indivíduos com uma renda média de quase duas vezes a renda média do estado mais rico da federação? A chave do enigma tem duas palavras: Governo Federal. A verdade é que o governo no Brasil é um Robin Hood ao contrário. Ele tira dos pobres para dar para aos ricos. Ele tem uma mão pesada que agarra 40% de tudo que é produzido em Tonga, na Geórgia e demais recantos desafortunados do país, inundando nossa mini-Europa do cerrado com dinheiro farto. Esse dinheiro vai remunerar um funcionalismo público, sobretudo um legislativo e um judiciário, com rendas vergonhosamente desalinhadas com a realidade do país. É também esse dinheiro que faz com que os melhores engenheiros, médicos e economistas do país abandonem suas ocupações na iniciativa privada pra virar improdutivos funcionários públicos.

Mas uma parte desses 40% do PIB brasileiro que o Estado toma vai alimentar os inúmeros esquemas de corrupção e desperdício de dinheiro público que ocorrem em Brasília. É o nosso Karma. Cada país tem o seu. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Karma de desperdício de dinheiro público são os gastos militares. A diferença, contudo, é que gastos militares são por definição, gastos. Eles dinamizam a economia, geram empregos, produção, via o que se conhece como multiplicador keynesiano. No Brasil, o dinheiro que alimenta a corrupção não é gasto, em geral é entesourado em contas na Suíça. Seu efeito sobre a prosperidade do país é nulo. Na melhor das hipóteses, ele dinamiza as economias dos países que exportam os Porsches, Ferraris, Camaros e outras maravilhas tecnológicas que despontam cada vez mais na paisagem de nossa Europa do Cerrado.

Rodrigo M. Pereira

PhD em economia pela Cornell University, EUA.

sábado, 15 de outubro de 2011

CTA - O Teatro Acontece no SESC Emiliano Queiroz

Um quilo de açúcar era o que se pedia para entrar e assistir os 4 esquetes da noite, 14 de outubro, no palco do SESC Emiliano Queiroz. Eram 4 experimentos, alguns estreando, outros já veteranos, dois autorais e outros dois de um dramaturgo sergipano. O atraso, ainda que pequeno, foi inevitável.

O Vizinho do 203, mostrado no FECTA-2011, já era bem conhecido de quase todos. Uma proposta ousada, adequada para o horário apresentado, trata das agruras e vicissitudes do homossexual, principalmente, quando este tem uma vida heterossexual para sustentar. Quanto à questão levantada pelo diretor Joca Andrade sobre a adequação ao público, eu considero que o público infantil presente é que estava no horário e local inadequados. Álvaro Renê e Luiz Almeida estão muito bem e não é necessário colar os lábios para mostrar que o beijo na boca existiu. Também não concordo com o diretor sobre a música do Chico Buarque. Não acho que exista “música heterossexual”. Música é música e ela pode servir e ser dedicada a quem se ama, independente de sexo. O hetero dedica ao outro sexo e o homo ao seu idêntico. Dizem que aquela música do Nat King Cole Aquellos ojos verdes é dedicada a um taxista que ele sempre pegava quando ia a Nova York, mas eu quando escuto a música só penso em uma morena linda de olhos verdes. Até aquela música do Martinho da Vila, Já tive mulheres..., quando ele fala, “mas nenhuma me satisfez como você me faz”, este você aí tanto pode ser u’a mulher quanto um homem, depende de quem escute ou cante. Fico pensando nas letras das músicas que o Fagner canta, muitos pensamos em mulher quando as escutamos mas ele, certamente as dedica a um parceiro. Não existe música hetero ou homossexual, a música é universal.

Deixe-me sonhar. Renata Forte, João Araújo e Tomzé (nos bastidores ou coxias) falam sobre uma temática recorrente no mundo atual. O drama do suicídio, de se pensar em tirar a vida, de se estar sempre por um fio é bastante comum. Há sempre outras maneiras de se resolver os dilemas e ser feliz. Era um experimento de estreia e os ajustes acontecerão naturalmente. Eu vi ali um precipício, uma ribanceira. O Joca viu um edifício. Essa é a riqueza da arte, as múltiplas interpretações que ela nos proporciona. Aliás, como já disse o Almeida Júnior, em um desses sábados no nosso curso do CITA, “A arte não é para ser compreendida, ela está posta para ser apreciada”.

Lilith, O paraíso não existe mais. O mito de Adão e Eva e o fruto proibido, uma concepção do Álvaro Renê, apresentado pelo mesmo. Desde os idos da Idade Média que essa temática é tratada. Acho que alguns conselhos do Joca servirão para melhor compor o personagem, principalmente, aquela troca de indumentária no palco, quando Adão se transforma em Eva. Concordo que a música brasileira, clássica ou popular, seria mais adequada. A cestinha, realmente, não tem como não evocar ao conto da Chapeuzinho Vermelho. É preciso pensar em outra forma para distribuir as maçãs, uma sacada genial.

O doce e amargo. Renata Leite e o seu parceiro apresentam um tema bem recorrente, o desencantamento entre os casais, o desgaste da relação. Quanto ao comentário do Joca, com relação ao “desperdício” do açúcar, o que tenho a dizer é que o público é bastante crítico com relação a essas coisas e pode ficar imaginando o quanto aquele açúcar faria bem em sua casa, por exemplo, ou em residências de pessoas carentes. A arrecadação deveria servir para doação. Eu tive esta sensação ao ver e rever a peça “E se...”, dirigida por Silvero, apresentação final dos Princípios Básicos noturno deste ano. O cenário era forrado de papel A4 e no final ainda há uma revoada destes papéis sobre o público. Quantas árvores tiveram de ser cortadas para produzir aquele papel? Mas, cabe a pergunta, havia jeito de ser diferente? É questão de pensar alternativas, tanto para o açúcar, quanto para o papel.

Talvez o Joca Andrade tenha lido bastante Stanislavsky e tenha querido desconstruir para que depois seja melhor reconstruído. Toda crítica deve ser aceita como uma fórmula para o nosso crescimento e aperfeiçoamento. Muito embora, tudo também é uma questão de opinião pessoal, que pode ser aceita, ou não, por nós. E sigamos o conselho de Steve Jobs: "Você pode encarar um erro como uma besteira a ser esquecida, ou como um resultado que aponta uma nova direção"

Agora uma reflexão final. Será que, tal como no jornalismo, no teatro tudo tem que ser tragédia? Só o que é, digamos, ruim ou negativo, pode ser apresentado, ou chama mais a atenção? Será que não podemos pensar em algo positivo, bom, como, por exemplo, chamar a atenção para a preservação ambiental, conservação da natureza, economia do uso da água etc.? Poderíamos ponderar algo assim, menos trágico ou negativo, mais positivo e prático para a nossa montagem?