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segunda-feira, 11 de março de 2013

Recursos Humanos ou Desumanos?


Assédio moral, mais uma caixa preta no Itamaraty

A propósito da recente denúncia de assédio moral contra o Cônsul-Geral do Brasil em Sidney (e também contra seu Adjunto), repercutida em matérias e manifestações em frente ao Palácio do Itamaraty, em Brasília, impõe-se uma certeza: este é momento de abrir a Caixa de Pandora da diplomacia brasileira e discutir publicamente sua arcaica e precária forma de gerir recursos humanos.
Gritos e xingamentos são a parte mais visível de assédio moral no Itamaraty e nem para esses casos, tão óbvios quanto numerosos, há punição. Inacreditavelmente, porém, esse não é o pior assédio moral a que tantos funcionários, diplomáticos ou não, são submetidos reiteradamente. A maior parte dos casos acorre em silêncio, sobretudo em Postos no exterior, quando o indivíduo está ainda mais vulnerável e distante de qualquer possibilidade de se fazer ouvir. Vários servidores já tiveram que deixar seus Postos porque a “chefia” perseguiu quem se recusou a cumprir ordens sem respaldo legal. Mais numerosos ainda são aqueles que trabalham no setor de administração ou de contabilidade e se viram coagidos a aceitar "interpretações" peculiares do que diz a lei e, pior do que aceitar, a ter que se responsabilizar por elas. Até o momento, a atitude do Itamaraty a priori, a posteriori e ad infinitum tem sido a de classificar qualquer queixa, evocação de direitos ou pedido de esclarecimentos como insubordinação, transformando imediatamente a vítima em culpado. Até quando?
A maioria dos funcionários do Ministério das Relações Exteriores, diplomáticos ou não, são pessoas de comportamento íntegro e grande compromisso com a causa pública. Poucas instituições brasileiras tem funcionários mais bem preparados, devotos e dedicados. Apesar disso, entretanto, a linha tênue entre o público e o privado continua sendo de difícil demarcação. Não deixa de ser curioso notar que o Ministério refire-se a si mesmo como ‘A Casa’. Essa pretensa familiaridade costuma ser invocada, em geral, para justificar todo tipo de abusos,como, por exemplo, legitimar o poder de uma categoria 'funcional' sem mandato oficial ou aprovação por concurso público: as Embaixatrizes. Quem se atreve a contrariá-las, sabe bem a briga que está comprando.
A devoção ao Ministério e a tudo que lhe diz respeito, aí incluídos culto à personalidade, temor reverencial e desejo de emulação, nasce e se exacerba com a promessa de ascensão social meteórica que a carreira diplomática encerra, equivocadamente ou não, no Brasil. Sim, porque em países considerados desenvolvidos a carreira diplomática é uma carreira profissional como outra qualquer. Mesmo que, há várias décadas, seja a classe média (e não mais a aristocracia de outrora) a que forma a maioria dos diplomatas, passar no concurso do Instituto Rio Branco significa, para um número de indivíduos maior do que o bom senso acharia razoável, transformar-se, numa tacada só, em elite. E a elite quer poder. Como poder de fato só pode ser exercido por poucos, resta o consolo do exercício de poder sobre os "inferiores" hierárquicos. Assim, não é difícil imaginar que a vontade de exercer poder resulte, com grande frequência, em assédio moral e outros desmandos. Os "inferiores" hierárquicos vivem, então, à mercê da vaidade, das frustrações, da ganância, do desequilíbrio e dos desatinos de seus "superiores" e, até hoje, a "Casa" nunca lhes permitiu reagir ao assédio, nunca garantiu direito de defesa e, consequentemente, nunca puniu ninguém
Por mais que os tempos tenham mudado, ainda persiste na "Casa" uma noção monarquista que leva a crer que funcionários públicos, de nível superior ou não, são funcionários a serviço de indivíduos e não de uma instituição pública. Espera-se que o funcionário sirva e obedeça cegamente ao chefe, não apenas no trabalho, mas também em sua vida pessoal. Pode até ser justificável que secretárias sejam instadas a se incumbir de aspectos da vida particular de seu chefe para esse tenha tempo de dedicar-se a seu trabalho, mas no Itamaraty, todo inferior hierárquico é "secretária", seja ele concursado, com nível superior, 30 anos de serviços prestados, mestrado ou doutorado. Até mesmo diplomatas recebem incumbências de caráter totalmente privado e as aceitam por medo de comprometer suas carreiras. Nesse contexto, a hierarquia não é vista como organização do trabalho, mas como direito divino, superioridade da espécie.
No entanto, ainda mais inacreditável é que o assédio moral não é cometido somente por indivíduos, mas pela própria instituição, ou seja, várias são as evidências de assédio moral estrutural no Itamaraty.
Não deixa de ser uma forma de assédio o que ocorreu recentemente no âmbito dos cuidados com a saúde dos funcionários. Com a morte recente de uma diplomata e de uma funcionária administrativa na África, por malária, a única reação do Itamaraty foi a de incluir no formulário de providências de partida uma frase pela qual o funcionário declara ter conhecimento da necessidade de consultar médico antes de viajar e de buscar apoio médico local em caso de enfermidade durante a missão. Ou seja, zero responsabilidade para a instituição.
A falta de transparência sobre o número de vagas existentes nas Embaixadas/Consulados/Missões e sobre os salários nesses diferentes Postos no exterior também é mostra de que tais aspectos importantíssimos da vida funcional no Ministério, que deveriam estar publicados e disponíveis para que as famílias pudessem se planejar, são usados como fatores de pressão. Os salários são um mistério até dentro da "Casa", sendo as correções salariais nos Postos informadas por expedientes classificados como reservados e, portanto, de difícil acesso, ao arrepio total da legislação vigente. Impedir que os funcionários tenham uma visão clara de suas opções para que somente o interesse da administração impere também é assédio moral.
A variação salarial entre os Postos muitas vezes não se fundamenta em estudos aprofundados sobre o custo de vida e/ou sobre o impacto das dificuldades locais sobre o bem estar dos funcionários, como é a praxe internacional, mas sim espelha a opinião ou as amizades de quem manda. Como explicar de outra forma que o salário em Taipei seja o maior pago aos funcionários do Serviço Exterior Brasileiro no exterior e que essa cidade não esteja sequer entre as 50 mais caras do mundo em qualquer pesquisa internacional de custo de vida? Como explicar que uma das 20 cidades mais caras do mundo, Seul, esteja entre os menores salários (o salário de Taipei é 43% maior do que o de Seul)? Como explicar que entre dois Postos na mesma cidade, Montreal, os salários sejam diferentes?
 Regras não publicadas são tão ou mais fortes e imperativas do que regras publicadas e mudam ao gosto de quem detém o poder, como as regras não escritas das promoções, missões transitórias e das remoções. Nesse caso, o assédio moral vem travestido como "interesse da administração".
Outro aspecto gritante do assédio institucional são os plantões consulares. Funcionários são obrigados a permanecer à disposição e a responder ao público 24 horas por dia, 7 dias por semana, por semanas e, em casos de Postos menores, por meses. A carga horária de trabalho publicada em lei é solenemente ignorada e não há qualquer compensação, apenas punições caso o serviço de "hotline" domiciliar não seja considerado a contento. A lei estabelece que constitui abuso de autoridade qualquer atentado aos direitos e garantias constitucionais assegurados ao exercício profissional (o limite da jornada semanal de trabalho é uma delas) e à inviolabilidade do domicílio.
Não se trata "apenas" de assédio moral. Já que estamos dispostos, que sejam dados nomes a todos os bois: estamos falando de assédio moral, abuso de poder e violência psicológica.

domingo, 10 de março de 2013

Carta de Ucho Haddad para a presidenta


De: Ucho Haddad – Para: Dilma Rousseff – Assunto: O “seu” amigo Hugo Chávez

(*) Ucho Haddad –
Dilma, sem pedir licença pela informalidade, você está me fazendo perder a paciência. Primeiro porque em outro colóquio redacional, mesmo que de uma só via, pedi para que não me transformasse em um escravo da escrita, sendo obrigado a redigir diariamente um recado a você. Escravidão é crime e você deve saber disso. Se não souber, pergunte à companheira Maria do Rosário.
Dilma, você está equivocada ou alguém lhe disse algo errado. Você foi eleita presidente do Brasil, não dona do Brasil. O máximo que você pode fazer é governar, o que faz muito mal, mas jamais falar em nome do povo brasileiro. Ou será que o despotismo tomou conta do seu ser? Se for isso, me avise, pois assim passo a usar outro tipo de tinta.
Estava animado por causa do surpreendente mea culpa que fez na Paraíba, afirmando que o PT “faz o diabo na hora da eleição”, mas você não precisou de 24 horas para colocar tudo a perder. O ditador Hugo Chávez, seu companheiro de ideologias obtusas, estava morto há algumas semanas, mas somente ontem, terça-feira (5), o governo venezuelano resolveu anunciar o fato, porque segurar a enxurrada de mentiras tornou-se impossível.
Como carpideira profissional, você, diante de câmeras e microfones, incensou o finado caudilho e disse que ele foi amigo do Brasil e dos brasileiros. Olha, Dilma, o Chávez pode ter sido seu amigo, ter liderado um governo golpista e tirano que fez negócios com o Brasil desde a era FHC, mas em nenhum momento esse senhor foi amigo dos brasileiros. Você pode falar em nome do Brasil como Estado, mas não em nome dos brasileiros. Fale em seu nome, não no meu, no de milhões de brasileiros que torciam para aquele comunista de circo ficar calado.
Não estou aqui a comemorar a morte de Chávez, pois já lhe expliquei que torço pela saúde dos meus adversários. Até por você eu já torci. E continuo torcendo para que você tenha vida longa, pois assim terei diariamente uma oportunidade de provar a mim mesmo que meu raciocínio é lógico. Não me comparo aos gênios (sic) que fazem do PT um reduto de parentes de Aladim, mas penso e escrevo com a clareza que incomoda seus assessores.
Dilma, sei muito bem como funcionam, no mundo do comunismo boquirroto, essas adulações de encomenda. Um fala bem do outro, que aplaude o seguinte, que reverencia o companheiro, que coloca o ditador amigo nas alturas, que endeusa o caudilho que reina no quintal vizinho e assim vai. É como aquela música do Chico Buarque, “Geni e o Zepelim”. Todos os tiranos são Genis e pedras não faltam nas mãos de cada um para essa troca combinada de gentilezas. Prefiro não comentar aquela parte da música que diz “joga bosta na Geni”, até porque estrume serve como adubo.
Dilma, nem mesmo com um colossal esforço do raciocínio é possível admitir que Chávez foi amigo dos brasileiros. Ele foi, sim, amigo dos próprios interesses e patrocinador de transgressões e crimes de toda ordem. E se com essa conduta criminosa Chávez desfilou pelo Brasil e desafiou os brasileiros, é porque você e seus companheiros de petismo são muito frouxos ou, então, foram coniventes. Eu prefiro acreditar que foram coniventes, pois frouxidão na hora da bandalheira os companheiros jamais ostentam.
Dilma, o seu amigo Hugo Chávez dava apoio logístico-financeiro aos guerrilheiros das Farc, que continuam enviando ao Brasil drogas e armas à vontade. Foi com o apoio financeiro de Chávez que membros das Farc se instalaram nos morros do Rio de Janeiro para comandar o tráfico de drogas. E você teve a coragem de dizer que esse senhor, que por certo agora acerta as contas com o guarda-livros de lúcifer, foi amigo dos brasileiros? Não, Dilma, isso parece um filme de terror. Você deve estar muito estressada por causa dos compromissos e da pressão inerente ao cargo.
Dilma, o seu amigo Chávez financiou a Via Campesina, que no sul do Brasil, mais precisamente no Rio Grande do Sul, seu reduto político, aprontou as maiores arruaças em propriedades alheias. Vocês comunistas acham isso engraçado, pois o direito à propriedade só entra em cena quando o prejudicado é algum integrante desse grupo de bandoleiros que se vendem como paladinos da moralidade. Dilma, beirou a sandice você afirmar que Hugo Chávez, o primeiro defunto-presidente na história da América do Sul, foi amigo dos brasileiros.
Dilma, o seu amigo Chávez foi quem incentivou o índio-cocalero Evo Morales a desapropriar a planta da Petrobras na Bolívia. E nós brasileiros, que você garante que tinham a amizade de Chávez, pagamos a conta. Chávez também assumiu o compromisso de fazer da Venezuela sócia do Brasil na refinaria Abreu e Lima, em Pernambuco, mas até agora não se tem notícia de que um centavo venezuelano tenha sido investido no negócio, que começou com orçamento de US$ 3 bilhões, mas já passou de R$ 20 bilhões e deve consumir pelo menos, fazendo conta rasa, outros US$ 10 bilhões. Quer dizer que Chávez foi amigo dos brasileiros, Dilma? Você está precisando de férias. Olha, Dilma, ainda tem vaga na excursão do seu amigo Chávez.
Dilma, pela Venezuela do seu eterno amigo Chávez escoa o nióbio contrabandeado do Brasil. Não vá me dizer que desconhece o assunto, porque esse discurso ensaboado tem a digital do companheiro Lula. Então, se é que entendi direito, quem fecha os olhos para a ilegalidade e enche os bolsos com o contrabando do nióbio é amigo dos brasileiros. Dilma, você, além de perder o juízo, cometeu a ousadia de dizer que a perda de Hugo Chávez é irreparável. Se lhe falta um dicionário da língua portuguesa no gabinete presidencial, pois para Lula não tinha qualquer serventia, enviarei de presente um exemplar no dia do seu aniversário, 14 de dezembro. Eu tenho um motivo sacro e especial para me lembrar dessa data. E o motivo por questões óbvias não é você, porque na minha tômbola a sua pedra ainda não foi cantada.
Dilma, irreparável é aquilo que não tem reparo. Você poderá me dizer, elementar meu caro Ucho! Como no PT abundam os gênios, os primos de Aladim, nunca é demais explicar o significado de determinados vernáculos. Só um louco de hospício, que com qualquer batida de palma sai dançando, seria capaz de fazer tal declaração. Dilma, se o reparável um dia sonhou em ser “fulanizado”, a realidade se consumou de forma magistral e irreversível em Hugo Chávez.
Dilma, o seu amigo Chávez era a personificação do pecado. Arrisco a afirmar que era um ser bisonho, covarde e errante, cujo nome certamente consta das árvores genealógicas de Josef Stálin e Tomás de Torquemada, tendo como padrinho de crisma política o sanguinário Fidel Castro. Como os respectivos currículos desses três querubins falam por si, qualquer comentário adicional seria exagero de minha parte. Assim como Hitler sonhou em dominar o planeta, Chávez, o seu amigo, Dilma, intentava conquistar a América Latina. Em vez de acionar a câmara de gás, açoitava os adversários esparramando dinheiro imundo aos pés dos mandatários dessas republiquetas de bananas que estão na nossa vizinhança e se igualam ao Brasil.
Dilma, você consulta diariamente um preposto do demônio, cumprindo de forma obediente suas ordens, e se rasga em elogios quando um enviado de satanás tem a morte oficialmente anunciada. O Brasil inteiro sabe que você não se dá bem com o Criador, mas, como homem de fé que sou, garanto que Deus sabe muito bem o que faz, além de Ele ter precisão de relojoeiro suíço na escolha da hora.
Chávez estava com o prazo de validade vencido, fazia hora extra até como defunto. Mesmo morto ele insistia em levar o jogo para a prorrogação. Estava imóvel, como qualquer ser sem vida, mas queria cobrar os pênaltis.
Dilma, Chávez, seu amigo e irmão-camarada, há muito está em outra freguesia, jogando como lateral esquerdo na várzea do além. Continue assim, como chefe da torcida organizada de alguém que se tornou herói porque entre os venezuelanos socializou a miséria. Isso é o auge do talento de alguém que foi incompetente até para ser ditador.
Não se avexe, Dilma, sem constrangimento algum debulhe-se em lágrimas vermelhas, pois assim reza a cartilha desse socialismo criminoso e obsoleto que vocês, salvadores do universo, pregam.

sábado, 22 de setembro de 2012

Dez razões para levar a sério o Dia Mundial sem Carro



Qua, 19/09/12

No próximo sábado (22) celebra-se mais uma edição do Dia Mundial sem Carro. Veja aqui algumas razões que emprestam sentido a essa data.
1) Tamanho é documento
A multiplicação indiscriminada da frota automobilística já é um dos maiores problemas da Humanidade. Na maioria das capitais brasileiras (e mundiais) já não há a chamada “hora do rush”, porque sucessivos congestionamentos em diferentes horas do dia colapsam o trânsito progressivamente. A construção de mais pontes, viadutos, túneis ou vias expressas são paliativos, não resolvem efetivamente o problema, como muitas vezes, indiretamente, contribuem para estimular o uso do carro. A mobilidade urbana se tornou questão central do debate sobre qualidade de vida nas cidades.
2) É bom para a economia?
Estima-se que o setor automotivo responda por aproximadamente 20% do PIB brasileiro. Entre 2009 e 2011, as montadoras de veículos informam ter recolhido em impostos diretos R$ 137 bilhões. Se as montadoras de todo o planeta fossem um país, este seria um dos dez mais ricos do mundo. É bom lembrar que junto às linhas de montagem, orbitam os setores de autopeças e combustíveis, além do mercado de seguros e outros agregados. Se não há dúvida de que os automóveis fazem girar a roda da economia, também é certo que o impacto do crescimento da frota nas cidades tem inspirado outro gênero de contabilidade preocupante.

Segundo o secretário Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho de São Paulo, Marcos Cintra, os prejuízos causados pelos engarrafamentos crescentes na cidade somam R$ 52,8 bilhões por ano, o equivalente a mais de 10% do PIB municipal. Um crescimento de 60% nos últimos quatro anos. Se outras cidades incomodadas com os engarrafamentos realizarem cálculos semelhantes, os resultados deverão ser surpreendentes.
Congestionamento pesado em via de São Paulo (Letícia Macedo-G1)
3) A questão do IPI
Sabe-se que o governo federal reduz periodicamente o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) que incide sobre automóveis, toda vez que o setor reclama de queda nas vendas e risco de desemprego. Essa é uma questão polêmica,  uma vez que a medida não vem acompanhada de contrapartidas sociais e ambientais que pudessem justificar tamanha renúncia fiscal. Nos Estados Unidos, o governo Obama socorreu as montadoras com pesadas contrapartidas (manutenção do emprego, maior eficiência e inovação tecnológica na direção de uma nova geração de motores mais econômicos). É lamentável que o dinheiro arrecadado pelo governo com a venda de carros não esteja sendo devidamente investido em transporte público de massa eficiente, barato e rápido. Não custa checar também o quanto as montadoras de veículos instaladas no Brasil transferem em divisas para as respectivas matrizes fora do país.
4) O “carrocentrismo”
No livro “Muito Além da Economia Verde (Ed.Abril) o professor titular do Departamento de Economia da FEA e do Instituto de Economia Internacional da USP, Ricardo Abramovay, afirma que o automóvel é “a unidade entre duas eras em extinção: a do petróleo e a do ferro. Pior: a inovação que domina o setor até hoje consiste mais em aumentar a potência, a velocidade e o peso dos carros do que em reduzir seu consumo de combustíveis (…) O mais grave é que ali onde houve inovações nessa indústria ela se voltou mais a preencher desejos privados por carros maiores, mais rápidos e de melhor desempenho do que a reais interesses públicos por veículos mais econômicos e de uso partilhado. Foi só em 2007 que, pela primeira vez em 32 anos (houve um precedente logo após a primeira crise do petróleo), a lei americana impôs metas de economia de combustíveis aos veículos fabricados pela indústria automobilística.
5) Lata de sardinha
O sucateamento do transporte público no Brasil –- responsabilidade dos governos –- determina um dos maiores fatores de estresse para milhões de brasileiros. Só quem é passageiro e já passou pelo aperto de um trem, de um metrô, de um ônibus ou de uma barca (experiência desconhecida pela maioria dos governantes, alguns dos quais muito mal acostumados com os batedores que escoltam seus carros oficiais ou vivem refugiados no vai-e-vem de helicópteros barulhentos) sabe o tamanho do desgaste físico e emocional que isso representa.

Em boa parte dos casos, quem sofre a agonia diária de chegar ao trabalho exaurido, com a roupa amarrotada e cansado pelas horas de aperto no transporte coletivo, sonha em ter um carro para se livrar desse pesadelo. O raciocínio é mais ou menos o seguinte: melhor sofrer nos engarrafamentos em seu próprio carro, ouvindo um agradável “sonzinho” no ar -condicionado, do que seguir apertado por aí. O que parece ser lógico e justo no campo individual constitui um enorme problema na esfera coletiva. A incompetência dos governos em assegurar o direito constitucional de um transporte público decente agrava a perda da mobilidade urbana numa escala sem precedentes.
6) Uma questão de saúde pública
Os dados são do dr. Paulo Saldiva, pneumologista da USP: quem mora em São Paulo, cidade com o maior número de carros do Brasil, onde a maior fonte de poluição vem justamente do escapamento dos veículos, está vivendo em média dois anos a menos em função de problemas causados ou agravados pela inalação de poluentes presentes na fumaça. São aproximadamente quatro mil óbitos por ano.
7) O maior dos sonhos de consumo
Concebido inicialmente apenas como um meio de transporte, o carro foi ganhando, ao longo de sua história – talvez mais do que qualquer outra invenção moderna – uma representação simbólica que explica o fascínio que exerce sobre as pessoas em todo o mundo há muitas décadas. A  publicidade soube trabalhar bem esse sentimento, transformando no imaginário coletivo os carros em metáforas de nossas existências, onde os sonhos de liberdade, poder, força, status social, beleza, juventude, auto-afirmação, a capacidade de desbravar obstáculos antes intransponíveis, a possibilidade de chegar à frente de todo mundo (já reparou que carro só anda sem engarrafamentos em comerciais de TV?) tornaram-se “possíveis” e “ao alcance de todos” com a simples posse de um veículo automotor. Como resumiu uma campanha publicitária recente sobre um determinado veículo: “ou você tem, ou você não tem”.
8 ) O efeito Pateta
Em “Motormania”, desenho animado de Walt Disney do ano de 1950, o dócil Pateta se transforma ao volante em alguém raivoso, egoísta e perigoso (veja o vídeo). Alguém que dirige alucinadamente no trânsito oferecendo risco a si próprio e aos outros. Em depoimento registrado no livro “O automóvel: planejamento urbano e a crise das cidades (Ed.Fiscal Tech), a psicóloga Iara P. Thielen, diretora do Núcleo de Psicologia do Trânsito da Universidade Federal do Paraná, diz que “ as pessoas têm um sentimento de individualismo exagerado. Elas não vêem o trânsito como um fenômeno coletivo. Por isso elas acreditam que, em primeiro lugar, o problema é sempre dos outros, que são loucos e que correm, enquanto que elas apenas exageram um pouquinho”.
9) O impacto sobre o clima
Atualmente a frota automobilística do mundo é superior a 800 milhões de carros. De acordo com a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), apenas a China deverá aumentar sua frota de 17 milhões de carros para 343 milhões de carros até 2030. Segundo a secretária de Economia Verde do Estado do Rio de Janeiro, a professora da COPPE/UFRJ, Suzana Kahn, que também integra o Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC), o setor de transportes é responsável onde por 23% das emissões globais de gases estufa (que agravam o aquecimento global) e cerca de 50% a 70% dos poluentes atmosféricos. Os automóveis sozinhos respondem por metade de tudo isso.
10) “A era do automóvel”, por João do Rio
Membro da Academia Brasileira de Letras, João do Rio registrou em 1909, numa crônica profética, alguns dos problemas causados pela multiplicação indiscriminada de automóveis nas ruas das cidades. Note-se que esta crônica foi publicada em 1909 quando apenas 37 automóveis rodavam pelas ruas do Rio de Janeiro, então com 500 mil habitantes. O texto foi reproduzido na íntegra no livro “O automóvel : planejamento urbano e a crise das cidades (Ed.Fiscal Tech). Destaco aqui apenas o início e o final da crônica:

“E subitamente, é a Era do Automóvel.O monstro transformador irrompeu, bufando, por entre os escombros da   cidade velha, e como nas mágicas e na natureza, aspérrima educadora, tudo transformou com aparências novas e novas aspirações (…). Automóvel, Senhor da Era, Criador de uma nova vida, Ginete Encantado da transformação urbana, Cavalo de Ulysses posto em movimento por Satanás, Gênio inconsciente da nossa metamorfose!




quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Cidade Sustentável


Eleições

Por Vilmar Sidnei Demamam Berna*


Cada eleição, especialmente as municipais, é mais uma boa oportunidade para os eleitores e cidadãos mudarem a sua cidade através do voto em alguém melhor, por que o voto nulo só acaba favorecendo aos atuais detentores do Poder, que mereciam ser mudados.


Um meio ambiente adequadamente bem cuidado é condição fundamental para a qualidade de vida que todos merecem. Entretanto, meio ambiente não é só cuidar das plantas e dos bichos, mas também das pessoas, pois somos natureza também, e conscientes de nós próprios.

Para nos, a realidade é mais que apenas a parte física que vemos, percebemos com os nossos sentidos, mas é também o que sonhamos, as utopias de um mundo melhor que queremos para nós e para nossos filhos, e que começa em nós em primeiro lugar, em seguida à nossa volta, em nossas cidades, para aí sim alcançar o Estado, o País, o Mundo.

Os Estados, os países, são abstrações jurídicas. Vivemos, de verdade, é nas cidades.

Entretanto, entre nossos sonhos de viver numa cidade melhor, e efetivamente ver estes sonhos transformados em realidade, isso irá requerer muito mais que apenas aprender a votar melhor, mas também a fazer a nossa parte, por que a cidade melhor que queremos não começa em nosso vizinho ou nos políticos, mas começa em nós. Quem espera que o mundo melhor comece no outro, ou está se iludindo, ou está agindo de má vontade para não querer colaborar.

A boa notícia é que a sociedade, de uma maneira geral, está cada vez mais consciente ambientalmente. Talvez não saibamos ainda exatamente que caminhos percorrer, como nos desembaraçar das confusões em que nos metemos e dos problemas que criamos, mas seguramente sabemos os caminhos a evitar.

E, neste sentido, as questões ambientais ou da sustentabilidade não são privilégio ou domínio deste ou daquele partido, ou ONG, mas é uma responsabilidade comum, de todos, cada um de acordo com sua responsabilidade e capacidade.

Os problemas todos já conhecem. Podem ser mais ou menos, diferentes aqui ou ali, mas todas as nossas cidades possuem carências de um estilo de vida baseada no consumismo, no crescimento sem planejamento, no descarte meio irresponsável de nossos resíduos, na pouca importância com que tratamos nosso voto, delegando um poder a representantes que irão agir em nosso nome, definir políticas, aplicar nosso dinheiro, e sequer lembramos o nome deles alguns dias depois das eleições.

Entre os principais cuidados para se ter e se pensar uma cidade sustentável está o de romper com a atual tendência da compartimentalização dos assuntos ambientais e da sustentabilidade em estruturas esquálidas, sem recursos, sem importância política, que geralmente são as últimas a saberem dos assuntos na Administração.

É preciso ECOLOGIZAR E MUNICIPALIZAR A GESTÃO AMBIENTAL.

Preservar o meio ambiente não pode - nem deve - ser tarefa de uma secretaria ou órgão específico, mas de todos, muito menos ser tarefa apenas do poder público, mas também das empresas, ONGs, sociedade em geral.

Os caminhos para essa ‘ecologização’ na administração podem ser vários, depende mesmo é da decisão política dos dirigentes e fundamentalmente de indicadores de resultados democráticos e realistas e de um sistema horizontal de comunicação em que todos possam ter amplo acesso às informações de interesse público.

Uma sugestão pode ser utilizar a própria estrutura ambiental existente para ampliar a discussão, promover a capacitação necessária, estimular e monitorar a evolução de uma forma de administrar, compartimentalizada, para outra, ecologizada.

O atual Conselho Municipal de Meio Ambiente poderia ser fortalecido e valorizado e se tornar a ponta de lança para o debate em torno desta mudança, definir os indicadores e as metas, definir as formas de avaliação de resultados, definir os mecanismos de transparência e comunicação, onde os diversos setores da sociedade, os diversos órgãos dos poderes executivo, legislativo, judiciário poderiam definir que ‘ecologização’ é possível.

A iniciativa privada e as ONGs também devem participar, por exemplo, através de seminários e audiências públicas em cada bairro ou comunidade. Outra tarefa fundamental é a capacitação e treinamento dos funcionários municipais para ecologizarem a administração - uma parceria que poderia nascer com as universidades sediadas na cidade -, afinal, a mudança não resulta do acaso e não se pode pressupor que todos dominam este assunto. Esta capacitação já deveria levar em conta a tendência do governo Federal e Estadual de repassar cada vez mais responsabilidades aos municípios, por exemplo, com o licenciamento e fiscalização ambiental.

Neste contexto, seria importante instituir uma OUVIDORIA AMBIENTAL, com instalações públicas condignas e aparelhadas para atender a todo cidadão que deseje formular reclamações ambientais, as quais serão processadas e respondidas no prazo máximo de 20 dias, inclusive passando a contar com a LINHA DIRETA AMBIENTAL, um telefone com ligações grátis para recebimento de denúncias e sugestões da população.

Também estabelecer uma POLÍTICA ECOLÓGICA DE COMPRAS na Administração optando por materiais menos agressivos ao meio ambiente, que sejam mais duráveis, de melhor qualidade, recicláveis ou que possam ser reutilizáveis e incluiremos, entre as exigências básicas para contratação de prestadores de serviços e fornecedores, que comprovem a adoção de práticas ambientais de gestão, indicadores de ecoeficiência e de treinamento ambiental de seus funcionários e demonstrem a eficácia dos resultados de projetos de responsabilidade sócio-ambiental corporativas.

Vilmar é escritor com 15 livros publicados. Na Paulus, publicou “Como Fazer Educação Ambiental”, “Comunicação Ambiental”, “O Desafio do Mar”, “O Tribunal dos Bichos”, entre outros, e nas Paulinas, “Pensamento Ecológico” e “A Administração com Consciência Ambiental”, transformados em curso à distância pela UFF – Universidade Federal Fluminense. Em 1999, recebeu no Japão o Prêmio Global 500 da ONU Para o Meio Ambiente e em 2003 o Prêmio Verde das Américas. É fundador da REBIA – Rede Brasileira de Informação Ambiental (www.rebia.org.br ) e editor do Portal (www.portaldomeioambiente.org.br ) e da Revista do Meio Ambiente (www.revistadomeioambiente.org.br ). Mais informações sobre o autor:www.escritorvilmarberna.org.br ). Contatos: vilmar@rebia.org.br

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Todos somos céticos

ter, 03/07/12
por andre trigueiro | G1 Mundo Sustentavel
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Jornalista não é cientista, mas quando cobre os assuntos da ciência precisa entender minimamente os procedimentos e valores que regem esta comunidade. O que segue abaixo – em tópicos – é um resumo daquilo que me parece importante destacar sobre a cobertura dos assuntos ligados às mudanças climáticas.
Quem são os “céticos”?
A boa ciência, por princípio, tem o ceticismo como precioso aliado. São céticos todos os cientistas que norteiam seus trabalhos sem visões preconcebidas, dogmas ou interpretações pessoais da realidade desprovidas da correta investigação científica. É equivocado, portanto, chamar de “céticos” apenas aqueles que hoje se manifestam contra a hipótese do aquecimento global, ou da interferência da humanidade nos fenômenos climáticos.
A diferença entre opiniões pessoais e trabalhos publicados
Todo cientista tem o direito de compartilhar opiniões, impressões ou análises superficiais sobre o assunto que bem entender. Para a ciência, isso é tão importante quanto a opinião manifestada por qualquer leigo. Neste meio, vale o que foi publicado em revistas especializadas, de preferência as que adotam o modelo de revisão pelos seus pares, ou “peer review” em inglês (como a Science ou Nature, para citar apenas as mais famosas), onde o conselho editorial é composto por cientistas que indicarão outros cientistas. Estes terão o cuidado de aferir se a nova hipótese para a explicação de um determinado fenômeno seguiu rigorosamente os protocolos de investigação que regem o método científico. Sem isso, o conteúdo em questão – ainda que emitido por um cientista – se resume à categoria de mera opinião.
Na cobertura jornalística, em havendo controvérsia sobre um determinado assunto, convém verificar a quantidade e a qualidade dos trabalhos publicados. Até o momento, os estudos sobre mudanças climáticas se concentram majoritariamente em favor da hipótese do aquecimento global. As duas correntes científicas, neste caso, não são equivalentes nem proporcionais. Embora ambas mereçam respeito.
A ciência do clima
Essa é uma área nova de investigação científica extremamente complexa e imprecisa. Não há certezas absolutas (em ciência, pode-se dizer, nunca haverá 100% de certeza já que a hipótese prevalente pode um dia ser invalidada diante do surgimento de novas evidências) e a controvérsia alimenta o debate na busca daquilo que venha a ser a melhor explicação para o fenômeno observado. O próprio IPCC (Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas) reconhece em seus relatórios as várias incertezas ainda existentes. As modelagens do clima não explicam totalmente as variações de temperatura em função das emissões de gases estufa. Ainda assim, há hoje mais certezas do que dúvidas de que o planeta está aquecendo e que os gases estufa emitidos pela Humanidade contribuem para esse fenômeno.
As oscilações naturais de temperatura do planeta em eras geológicas, a interferência do Sol nos fenômenos climáticos e todas as outras possibilidades que explicariam o que está acontecendo hoje são objeto de inúmeros estudos e pesquisas. Mesmo assim, segundo a corrente majoritária de cientistas, não há, até o momento, outra explicação mais convincente e embasada para explicar as mudanças climáticas, do que a interferência humana.
Foi por isso que a maioria dos países assinou em 1992 o Acordo do Clima (que reconhece essa interferência no fenômeno climático), consolidou em 1997 o Tratado de Kioto (que estabeleceu prazos e metas para a redução das emissões até 2012), e definiu em 2011 o Mapa do Caminho de Durban (que estabelece o prazo limite de 2015 para que todas as nações apresentem seus compromissos formais de redução dos gases estufa para implementação a partir de 2020).
Teoria da conspiração
Soa leviano – quase irresponsável – resumir o endosso à tese do aquecimento global de numerosos contingentes de cientistas e pesquisadores de algumas das mais importantes e prestigiadas instituições do mundo a uma conspiração que teria por fim “impedir o crescimento econômico dos países pobres ou emergentes no momento em que eles poderiam queimar muito mais combustíveis fósseis” ou “privilegiar setores da indústria, especialmente européias, que desenvolveram patentes de novas tecnologias para a produção de energia mais limpa e renovável”. É incrível ver como declarações nesse sentido são repetidas à exaustão por pessoas que, em alguns casos, se dizem cientistas.
Com toda franqueza: como imaginar que a maioria absoluta dos países (ricos, emergentes e pobres) com suas muitas diferenças políticas, ideológicas, econômicas e sociais, sejam manipulados de forma tão grosseira em favor de uma gigantesca farsa que teria o poder de burlar a vigilância de suas respectivas comunidades científicas? Essa absurda teoria conspiratória relega a segundo plano a idoneidade, a honestidade intelectual e a autonomia de pessoas físicas e jurídicas do mais alto gabarito, em quase 200 países, que avalizam publicamente a hipótese do aquecimento global, e com influência humana. Em se tratando apenas de personalidades brasileiras, deve-se mais respeito a figuras como José Goldemberg, Paulo Artaxo, Carlos Nobre, Luis Pinguelli Rosa, Roberto Schaeffer, Suzana Kahn, Gylvan Meira, entre tantos outros que são reconhecidos dentro e fora do país, inclusive pela produção acadêmica que lhes afere enorme credibilidade.
Como imaginar que esse suposto “movimento orquestrado em favor do aquecimento global” seja ainda mais poderoso do que o lobby dos combustíveis fósseis (ou mesmo das empresas do setor automobilístico), a quem a hipótese da elevação da temperatura do planeta pela queima de óleo, carvão e gás tanto incomoda por razões óbvias? É inegável o poder que as companhias de petróleo ainda possuem para financiar campanhas, definir políticas públicas e os resultados de Conferências da ONU, como foi o caso recentemente da Rio+20, onde não se conseguiu reduzir em um único centavo aproximadamente 1 trilhão de dólares anuais em subsídios governamentais para os combustíveis fósseis no mundo inteiro.
A Justiça é cega?
Merecem registro decisões históricas da Justiça americana – baseadas única e exclusivamente no conhecimento científico já construído sobre o aquecimento global – de que o dióxido de carbono (CO2) é um “gás poluente” (Suprema Corte/abril de 2007) e que o Governo Federal tem competência para regular as emissões de gases estufa (Tribunal de Apelações, semana passada, por unanimidade). Como os juízes não são especialistas no assunto, foram buscar a informação mais confiável e balizada possível na literatura, junto a peritos e instituições renomadas acima de quaisquer suspeitas. Neste caso, o trabalho dos juízes se confunde com o dos jornalistas na busca pela informação mais confiável.
O risco
Se não há 100% de certeza se os gases estufa emitidos pela Humanidade – especialmente pela queima progressiva de óleo, carvão e gás – contribuem efetivamente para o aquecimento global, por que se deveria apressar investimentos em mitigação (redução das emissões) e adaptação (prevenir risco de mortes e importantes perdas materiais em função dos eventos extremos, elevação do nível do mar etc)? A resposta é simples e leva em conta a mesma lógica que determina a opção por um seguro de vida, da casa ou do carro. Em todas essas modalidades de seguro, a probabilidade de acontecer algo indesejado é muito menor do que aquela que os cientistas apontam em relação ao clima. Ainda assim, muitos de nós consideram sensato recorrer a companhias de seguro para se precaver de eventuais riscos, por mais remotos que sejam.
Há outra questão importante: todas as recomendações do IPCC para que evitemos os piores cenários contribuiriam para um modelo de desenvolvimento mais inteligente e saudável. Reduzir as emissões de gases poluentes, combater os desmatamentos, tratar o lixo e o esgoto, promover a eficiência energética, priorizar investimentos em transportes públicos de massa, entre outras medidas, geram mais qualidade de vida, saúde e bem estar. São as chamadas “políticas de não arrependimento”. Se em algum momento for proposta outra hipótese robusta para as variações do clima, o que se preconiza agora como “o certo a fazer” não deixará de ser “o certo a fazer”. Mudaria apenas o senso de urgência para que os mesmos objetivos sejam alcançados.
Qual é a prioridade?
Num mundo onde ainda há tanta pobreza, fome e miséria, pode-se defender como prioridade a canalização de recursos para a solução imediata destes problemas. É um pensamento legítimo. Mas o caminho do desenvolvimento pode ser sustentável e inclusivo. Uma agenda não exclui a outra. Uma questão dada como certa por boa parte dos cientistas é que o não enfrentamento das mudanças climáticas tornará a situação dos pobres e miseráveis ainda mais angustiante e aflitiva. Melhor agir, e logo.

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Bufão: reino da loucura organizada



por Cláudia Sachs *

Na Idade Média, Igreja Católica amaldiçoava o riso por considerá-lo de origem essencialmente diabólica. Foram emprestados aos diabos os traços cômicos, e, dessa forma, os bufões encantavam o público e rompiam com a monotonia e o tom solene que havia nos espetáculos religiosos. O teatro popular medieval das feiras e praças foi excomungado pelas autoridades religiosas e até mesmo por decisões de conselhos civis.
Pouco a pouco o profano começa a sobrepor-se ao sagrado, contribuindo assim para a formação de um novo espetáculo. Nas figuras dos diabos, reaparece o sorriso satírico os malvados, os pecadores, os tentadores, os heréticos, revestindo-se outra vez, ainda que simbolicamente, das máscaras do Mimo e das Atellanas. Ambas são figuras satíricas incríveis, com suas expressões faciais e suas insolências, que conseguiam arrebatar grandes públicos nas praças, nos burgos lotados pela multidão e nas cortes principescas.
Segundo Serge Martin (1984), o termo "Bufão" veio da palavra grega que designava o Louco. Desde a Antiguidade até o séc. XVII, os ricos e poderosos tinham sempre perto deles os Bufões. Na Pérsia, Egito, e mais tarde na Grécia e em Roma, esses pobres miseráveis, párias disformes, vinham fazer rir os poderosos, anunciavam-lhes o futuro ou as vontades dos deuses e eram amiúde convidados a apresentarem-se em festas nobres.
O Bufão é representado na maioria das dramaturgias cômicas. É um cômico grosseiro, indelicado, obsceno, grotesco. Vertigem do cômico absoluto, é o princípio orgiástico da vitalidade transbordante, da palavra inesgotável, da desforra do corpo sobre o espírito, da derrisão carnavalesca do pequeno ante o poder dos grandes, da cultura popular perante a cultura erudita. O bufão é o louco, o marginal. Esse estatuto de exterioridade o autoriza a comentar os acontecimentos impunemente, como uma paródia do coro da tragédia. Sua fala, a fala do louco, é proibida, porém ouvida.
O poder desconstrutor do bufão atrai os poderosos e os sábios: o rei tem seu bobo; o jovem apaixonado, seu criado; o senhor nobre da comédia espanhola, seu gracioso; Dom Quixote, seu Sancho Pança; Fausto, seu Mefisto; Wladimir, seu Estragon. O bufão destoa onde quer que vá: na corte, é plebeu; entre os doutos, dissoluto; em meio a soldados, poltrão; entre estetas, glutão; entre preciosos, grosseiro… e lá vai ele, seguindo despreocupadamente seu caminho. Ele é o princípio vital e corporal por excelência, um animal que se recusa a pagar pela coletividade e que nunca tenta fazer-se passar por outro. Ele é o revelador dos outros e nunca fala em seu próprio nome. O bufão guarda, na verdade, a lembrança de suas origens infantis e bestiais. É um ser transcendental, visionário e lúcido, que se utiliza do deboche e da paródia para transmitir sua mensagem.
A lascívia é uma das suas características, assim como a mistura entre linguagem literária e gíria popular, de valores rítmicos de representação com abundância de gestos típicos e movimentos quase dançados. De uma maneira geral, os atores que jogam esse estilo exibem um modo de atuar acrobático, gestos que remetem a uma técnica de corpo não-cotidiana. Especialmente no teatro popular e na comédia, há outros tipos-personagens e máscaras que encenam a liberdade sexual, a obscenidade, o prazer, e que, embora não caracterizados formalmente como bufões, têm sua postura ideológica uma atitude esca, onde as obscenidades vêm acompanhadas de zombarias a determinados segmentos da sociedade ou cidadãos. Marcado pela licensiosidade, o bufão é genuinamente amoral, libidinoso ao extremo, manifestando as emoções com exagero. Suas necessidades fisiológicas básicas (inclusive as sexuais) podem ser satisfeitas na presença do público e sem o menor pudor, até mesmo de forma provocadora. Sua liberdade não se limita ao obsceno: é uma estratégia para denunciar o absurdo das relações humanas.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Bendita é entre as florestas: Caatinga

(Texto enviado por Vilmar S. D. Berna)

Cristiano Cardoso Gomes é Engenheiro Florestal e Licenciado em Ciências Agrícolas, Mestrando em Ciências Florestais pela UFRPE.
Quando se fala em florestas, a maioria das pessoas logo lembra a Amazônia, a outros veem a memória a Mata Atlântica, a alguns o Cerrado, um ou outro se lembra da Caatinga.
Não é raro questionar se a Caatinga é floresta ou mata. Não é difícil ver pessoas surpreendidas quando se diz que a Caatinga é uma floresta. A Caatinga é Mata sim, inclusive na própria epistemologia do nome, quando os reais autóctones dessa nação (os índios) definiram em Tupi esse tipo de vegetação como Mata Branca. O branco em função de a mesma perder as folhas e ficar com aspecto acinzentado e esbranquiçado.
Não é raro exibir a Caatinga no período que está sem folhas, relacionando sua imagem a aridez e a fome, a um ambiente estéril, pobre, miserável e de baixa diversidade.
A apologia é sempre para uma vegetação degradada, esgotada, paupérrima, cuja solução é transpor rios, e assistir o povo com bolsas. Raramente diz-se que a Caatinga é o único domínio vegetacional (bioma) exclusivamente brasileiro, e seu potencial e pouco demonstrado.
DSC00100 A Caatinga é reconhecida pela Conservation International como uma das 37 grandes regiões naturais do Planeta, pois apresenta um conjunto único de espécies e características ecológicas, sendo então considerada como uma das regiões de altíssima prioridade para a conservação. Já a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) reconheceu a Caatinga como um ecossistema importante para a conservação, incluindo-a como uma Reserva da Biosfera. O programa de Reserva da Biosfera procura meios de reconciliar a conservação da biodiversidade com o seu uso sustentável, e estimula que países proponentes se responsabilizem em manter e desenvolver essa reserva.
Mesmo sofrendo os efeitos da antropização e das longas estiagens, a Caatinga possui uma rica diversidade ainda a ser estudada, inclusive no que se refere ao conhecimento local sobre os recursos vegetais, bem como os usos que as populações humanas faziam, fazem e poderão fazer dos recursos (SAMPAIO & GAMARRA-ROJAS, 2002).
Apesar dos altos níveis de biodiversidade incluindo 932 espécies de plantas, dos quais 318 são espécies endêmicas, 187 tipos de abelhas, 240 espécies de peixes, 62 famílias e 512 espécies de aves e 148 espécies de mamíferos - a caatinga é mal protegida (GIULIETTI et al., 2004). A Caatinga representa o menor número de áreas protegidas, e a menor área protegida total de qualquer outro bioma brasileiro (LEAL et al. 2005).
DSC06501Nesse ano, o semiárido e o domínio vegetacional têm sido impactados por uma grande estiagem, e enquanto a terra racha e os agricultores têm o olhar perdido diante de uma severa seca, a Caatinga esverdeia e reflete o sol. Enquanto governadores, ministros e até a presidenta buscam combater a seca como um exercito ensandecido, a caatinga flora e frutifica como se quisesse falar.
A vegetação foi e sempre será ao sertanejo, um banco, seja à alimentação de seus animais seja da extração de frutas, fibras, cascas, retirada de lenha para cocção de seu alimento ou produção de carvão.
Querendo ou não, certo ou errado, sustentável ou insustentável a vegetação é usada. Contudo, os urbistas tendem a querer não enxergar, e condenar o uso, limitando-se a legislar, proibir e dificultar esse uso.
É fácil ser ecologista e defensor ambiental quando se tem comida na mesa. Difícil é assumir que importante é usar racionalmente a Caatinga. Nesse ano de seca a vegetação sustentará rebanhos, e famílias sobreviverão em função da oferta de vários produtos. A caatinga dará o pão e não permitirá que os animais e as famílias findem pela falta de alimento.
DSC04779Os governantes precisam não só agir combatendo e mobilizando-se no caos, pois seca não se combate se convive. A seca não pode ser vista como um problema, pois o problema são os homens que não respeitam um ciclo natural nem a força da natureza. A seca é cíclica e só em considerar isso, já se pode pensar em atenuar seus impactos. E mesmo com toda foracidade climática, o domínio vegetacional da Caatinga resplandece nos quinhões do semiárido. Em contraponto a nossa arqueológica calamidade cíclica, acima da linha do equador há muitos invernos rigorosos, e nem por isso escuta-se falar em calamidades alimentares.
No ano em que os cultivos agrícolas pouco ou nada produzem, a Caatinga demonstra sua resilencia, expondo a sociedade que não há seca que tombe árvores formadas, que ali estão para dá frutos diversos.
Há trinta anos estudiosos diziam que em 20 ou 30 anos a Caatinga estaria dizimada, nesse período muito foi destruído, contudo a população quase dobrou, o parque industrial ampliou e o PIB e o consumo de energia quadruplicaram, com tudo isso ainda resta quase 40% da vegetação e a caatinga ainda é responsável por 30% da matriz energética nordestina.
Isso nada mais é do que a demonstração cabal de que caso haja planejamento, essa dádiva que é a Caatinga resistirá e poderá ampliar ainda mais a sua oferta, sobretudo se utilizada com princípios de produção sustentáveis.
A caatinga é um recurso natural e precisa de políticas efetivas tanto para a preservação como para conservação. O uso de florestas precisa ser pautado na escassa assistência técnica, é preciso incentivar financeiramente e tecnicamente o manejo da vegetação e a recuperação de áreas degradadas e pastagens abandonadas.
Dezenas de estudos e anos de experiência de técnicos, empreendedores, organismos nacionais e internacionais, atestam que é possível manejar a Caatinga com responsabilidade e sustentabilidade.
Os sertanejos fazem isso há séculos. Mesmo sem o uso regular da Caatinga, os sertanejos sabem as raízes que podem alimentá-los, as plantas que dão energia, que dão peso aos animais, as espécies indicadas para silagem, as que tratam enfermidades, as plantas nativas e as espécies indicadas para usos específicos, sendo a vegetação um grande shopping de produtos.
Assim, quando vejo uma carroça de mandacaru, não vejo a dizimação dos mesmos, mas, um método secular de manejo. Enxergo a ciência e a inteligência presente no sertanejo (a), e percebo que apesar da erodibilidade do conhecimento e da maçante campanha de detonação da caatinga, que a caracteriza como um ambiente hostil, os sertanejos sabem sacar sustentavelmente da natureza os recursos para salvar a si e a sua criação.
Quando um sertanejo (a) mostra como usar esses recursos, devemos construir estratégias de uso sustentável. Precisamos criar meios de garantir e ampliar a eficiência e a sustentabilidade dos recursos naturais, e não espalhar em redes sociais que estão acabando com os mandacarus, que é uma desgraça, que tudo está condenado, que é o fim. Pelo contrário, é o começo, o caminho e a saída. É assim que se convive, pois isso é conviver. O que é bem diferente do combater, tática comumente usada pelo Estado.
Estratégia é conviver, e é isso que deve ser valorizado, buscado e realizado. A vegetação nos ofertam meios diversos, basta saber colher.
É por subsidiar, ser resiliente, biodiversa, múltipla e única, que a Caantiga é bendita entre as florestas.
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Bibliografia citada:
CONSERVATION INTERNATIONAL, 2003. Grandes Regiões Naturais: as últimas áreas silvestres da Terra. Encarte em português. 36p. Disponível em formato eletrônico:http://www.conservation.org.br/publicacoes/files/ capa_grandes_regioes.pdf
GIULIETTI, A. M., ET AL. Diagnóstico da vegetação nativa do bioma Caatinga. Pages 4890 in J. M. C. Silva, M. Tabarelli, M. Fonseca, and L. Lins, editors. Biodiversidade da Caatinga: áreas e ações prioritárias para a conservação. Ministério do Meio Ambiente, Brasília, 2004.
LEAL, I.R., DA SILVA, J.M.C., TABARELLI, M., AND LACHER T.E.JR. 2005. Changing the course of biodiversity conservation in the Caatinga of Northeastern Brazil. Conservation Biology 19: 701-706.
SAMPAIO, E. V. S. B. & GAMARRA-ROJAS, C. F. L.2002. Uso das plantas em Pernambuco. En: TABARELLI, M., SILVA, J. M. C. (org.) Diagnóstico da biodiversidade de Pernambuco. 633-645. Editora Massangana. Recife.